2018 foi um ano que trouxe muitas surpresas, das quais destaco a colaboração de duas novas pessoas que contribuíram enormemente na construção do blog ao longo do ano: Mayra Guanaes e Neto Arman. Juntamente com eles quero listar os cinco melhores livros lidos e dois que merecem menção honrosa.
Fiquei feliz em ver que, sem combinarmos, nossas escolhas apresentaram uma maioria de autoras mulheres e um grande número de autoras negras.
Vale dizer que as listas não seguem uma ordem de preferência e que os livros que já foram resenhados estão linkados no título.
Esse foi um livro que de tão bom eu li duas vezes só esse ano. Um defeito de cor é um calhamaço que é praticamente uma aula sobre a História do Brasil do período escravocrata. A protagonista e narradora, Kehinde, já idosa, relembra como foi ser capturada em Daomé e trazida para ser vendida no Brasil, de modo que acompanhamos os acontecimentos de sua vida desde criança até o momento em que narra e que vida! A narrativa é de uma sensibilidade e perspicácias sem tamanho.
É um livro aparentemente pequeno, mas só aparentemente porque o conteúdo é gigante. Além do conceito de “lugar de fala”, Djamila Ribeiro apresenta diversas pensadoras e feministas negras com suas produções intelectuais. Foi uma leitura muito agregadora.
Ganhei esse livro de presente de um amigo querido. Fiz uma leitura compartilhada com uma leitora do Instagram e trocamos nossas impressões de leitura a cada capítulo lido, com direito a diário de leitura. A leitura foi muito impactante porque a pesquisadora feminista e marxista Silvia Federici apresenta uma pesquisa muito aprofundada e completa sobre a forma como as mulheres foram tratadas historicamente ao longo dos séculos, desde a época medieval, mostrando como a economia exerceu influência nesse tratamento, de modo que classe e gênero são indissociáveis.
Com esse livro a minha visão sobre a figura das mulheres consideradas bruxas mudou totalmente.
A tradução das obras de Octavia E. Butler para o Brasil é muito recente e A parábola do semeador é o segundo livro traduzido aqui. Foi uma das leituras que fiz li conjuntamente com as meninas do Clã das Pretas.
Narrado em forma de diário por Lauren Olamina, a protagonista, acompanhamos seus dias em um cenário no qual água e alimentos são escassos e o planeta passa por uma crise ambiental. As pessoas precisam viver em comunidades muradas para ter o mínimo de segurança e outras vivem vagando pelas ruas. A violência em suas mais diversas formas são uma constante. Nesse cenário, Lauren, apesar de ser filha de um pastor e ter muito contato com a religião do pai, sempre questionou alguns ensinamentos da igreja e começou a pensar em uma religião própria a partir de um sistema de crença na qual a Mudança seria a única verdade imutável, que ela chama de Semente da Terra.
Achei que os pontos fortes do livro são a realidade assustadora que o livro prevê e a protagonista que é muito crítica e visionária.
Tendo Samuel como protagonista que precisa viajar de Juazeiro do Norte para Candeia, no Ceará, A cabeça do santo tem uma trama bem articulada em uma narrativa altamente visual, de modo que é possível visualizar todas as imagens descritas. Além disso, o modo como é exposta a realidade do sertão nordestino, com foco em duas cidades do Ceará, seu aspecto físico e sua forte crença na religião, é feito de um modo muito natural.
Menções honrosas:
Quando se pensa em afrofuturismo no Brasil Fábio Kabral é o primeiro nome que vem à mente. O caçador cibernético da Rua 13 foi uma leitura diferente de tudo que já havia lido porque todos os personagens são negros, possuem pele melaninada e a história se passa em um universo com tecnologia avançada e que os elementos religiosos são naturalizados e respeitados.
Foi uma grata surpresa fazer essa leitura porque A primavera que caço é um mar é de uma intensidade poética sem igual. O trato dado à linguagem é o que mais impressiona, nele, o protagonista reflete sobre sua relação com as figuras paternas de sua vida, além de falar sobre as doenças psicológicas que o acometeu.
1) Quarenta dias, Maria Valéria Rezende
Este foi um ano de reflexão sobre o tamanho do Brasil e suas muitas diferenças sociais. Quarenta Dias da escritora Maria Valéria Rezende, passeia por essa questão mostrando diferenças entre o sul e o nordeste do Brasil.
Alice é uma professora aposentada que mora em João Pessoa e meio contrariada muda-se para Porto Alegre por insistência da filha que está grávida. Alice inicia uma busca por Cícero Araújo, filho de uma conhecida de João Pessoa, e narra os quarenta dias de sua jornada em um velho caderno da Barbie.
Com essa leitura, percebe-se que além das diferenças e singularidades de cada região, há também semelhanças interessantíssimas entre João Pessoa e Porto Alegre que a narradora traz, além da mistura de linguagem presente na narrativa. A familiaridade e fluidez desta autora com as palavras são impressionantes.
2) Como água para chocolate, Laura Esquivel
Este romance mexicano escrito pela Laura Esquivel foi adaptado para o cinema e diante da beleza da produção me senti curiosa para ler o livro que deu origem ao filme.
O romance conta a história de Tita, filha caçula que não pode casar e a sua relação com a cozinha. O livro mistura a narração sobre a história de Tita e orientações para executar as receitas que ela fazia. O que me toca demais nessa obra: pensar em como os afetos estão presentes e modificam as coisas que fazemos, inclusive, a comida.
3) Os monólogos da vagina, Eve Ensler
Livro adaptado da peça Monólogos da Vagina de Eve Ensler, que teve muitas adaptações pelo mundo, inclusive no Brasil. Li a edição comemorativa, lançada neste ano, 20 anos depois, com alguns acréscimos sobre os frutos políticos que a obra colheu. Para escrever a peça, Eve buscou depoimentos de mulheres, relacionados à vagina.
Considero este livro importante porque contribue para a discussão a respeito do corpo feminino que historicamente sofre um processo de tabuização que prejudica a emancipação da mulher e sua relação com a sexualidade. Há trechos muito emocionantes e outros bem-humorados. A época desta leitura coincidiu com a minha experiência em uma consulta ginecológica no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, que pelo trabalho excelente, também merece menção aqui e inclusive, complementou minha reflexão a respeito deste livro que continua atual. E também necessário.
4) Luis Antônio Gabriela, Nelson Baskerville
Meu encontro com este livro aconteceu por acaso em uma máquina de livros do metrô. Eu já tinha ouvido falar muito sobre a peça de mesmo título. Nesse romance, Nelson Baskerville que dirigiu Luis Antônio Gabriela, narra as histórias de Bolinho e sua relação com o irmão Luis Antônio que era transexual e depois passou a chamar-se Gabriela. A temática é muito atual e bastante sensível e o autor constrói a história a partir do que foi produzido para a peça. É um livro que aborda questões urgentes: gênero, sexualidade e família. Tudo isso dentro de uma narrativa deliciosa.
Lançado em 2018, é o quarto romance do escritor mexicano Juan Pablo Villa Lobos. Nesse livro, o autor cria um thriller jogando com elementos de auto ficção, tão presentes na literatura contemporânea. Ácido e divertidíssimo.
Menções Honrosas:
Fiquei bastante feliz quando ganhei este livro porque a Djamila Ribeiro é uma pensadora cuja produção tive mais contato neste ano por conta das aulas de redação que costumo ministrar.
Djamila contribue para discussões urgentes na sociedade como a questão das cotas raciais, apropriação cultural, solidão da mulher negra, etc. Este livro é um convite para conhecer e refletir sobre o feminismo negro e também conhecer um pouco mais a trajetória da autora como mulher negra. Nesta obra temos um ensaio autobiográfico e uma seleção de artigos publicados no blog da CartaCapital entre 2014 e 2017. Considero o trabalho da filósofa Djamila Ribeiro fundamental para pensar nos feminismos que temos hoje e também em relação às desigualdades sociais fomentadas pelo racismo tão presente em nossa sociedade.
Ensaio de voo, Paloma Vidal
Na verdade, li vários livros da autora neste ano, também porque, ela tem produzido bastante e sempre tem coisas novas. Difícil escolher um único título mas fico aqui com Ensaio de Voo que li durante uma única deitada!
Gosto bastante das narrativas curtas, as quais não conseguimos largar antes de chegar ao fim e foi essa a sensação que tive quando terminei este livro lançado neste ano de 2018 pela Editora Quelônio.
Neste livro temos uma narrativa que acontece durante um voo e reflete sobre os deslocamentos de nossas vidas, além da relação entre duas irmãs. Além disso, Paloma Vidal tem proposto novas formas de publicação refletindo sobre o formato da literatura e oferecido oficinas gratuitas para pensar a escrita (LAPES –Laboratório de Práticas de Escrita), sabemos o quanto o espaço para esse tipo de reflexão ainda é restrito e por facilitar o acesso, deixo esta menção honrosa, pelas contribuições literárias em diversas formas neste ano de 2018.
1) Ponciá Vicêncio, Conceição Evaristo
É o que eu venho gritando desde que li Olhos d’água: Ceição é a rainha da literatura brasileira. Isto posto, eu declaro morta e enterrada a Academia Brasileira de Letras. Brincadeiras (com aquele fundo de verdade) à parte, Ceição só não estaria nesta lista se eu não tivesse lido livro algum seu durante dois mil e dezoito. Pois bem.
Ponciá Vicêncio é um livro curto, mas não é por isso que ele deixa de nos engolir. Sem fazer nenhum alarde, Ceição nos acerta em cheio ao contar a história de Ponciá. Por meio de sua prosa, que muitas vezes mais parece poesia, ela nos arrebata. Lindo e poderoso!
2) Sobre a beleza, Zadie Smith
Eu descobri a Zadie, muito por acaso, ano passado e venho desde então devorando tudo o que encontro dela. Essa mulher é incrível! E além de ser dona de um texto muito afiado, é inteligentíssima.
Uma das coisas que mais gosto nos livros da Zadie é que ela tem a manha de pegar um assunto do qual a gente nunca imaginaria que daria algum caldo e faz dele uma puta história. Em Sobre a beleza, por exemplo, ela conta a saga de duas famílias que têm suas vidas cruzadas por conta do embate intelectual entre seus patriarcas, dois professores universitários com opiniões e visões de mundo bem distintas. Mas essa é só a faísca quem põem a lenha dessa fogueira em chamas. Sobre a beleza, é um livro de várias camadas e personagens muito bem construídos e que ao final, nos deixa com muito o que pensar.
3) Eu preferia ter perdido um olho, Paloma Franca Amorim
Sem dúvida alguma, a Paloma foi a maior surpresa literária que eu tive em dois mil e dezoito. Havia topado com um vídeo no qual ninguém mais ninguém menos do que Ana Maria Gonçalves falava muito bem de um de seus contos. Resolvi ir atrás. E ainda bem que fui.
Eu preferia ter perdido um olho, coletânea de contos e crônicas, é uma porrada bem dada no estômago. Assim que li o primeiro texto do livro eu me arrepiei todo e percebi que eu não estava preparado para o que viria. A escrita da Paloma é visceral e sincera. Ela nos tira do lugar e quando menos esperamos. E eu perdi a conta de quantas vezes reli os seus contos-crônicas, pois Paloma domina tão bem a linguagem que eu terminava os textos só por causa da forma e só depois os lia novamente, para prestar atenção ao que era dito. Fiz questão de me demorar nesse livro. E quando terminei a sua leitura, simplesmente não tinha palavras para expressar o que eu sentia.
4) O crime do Cais do Valongo, Eliana Alves Cruz
Com um trabalho de pesquisa formidável, Eliana Alves Cruz nos presenteia com um ótimo romance histórico-policial narrado por dois personagens, Moana e Nuno.
Situado no Rio de Janeiro do início século XIX, O crime do Cais do Valongo é uma narrativa fluída e envolvente que reconta parte da história da cidade e da África a partir da perspectiva de vozes que geralmente são silenciadas. Eliana é a prova de que a literatura brasileira vai muito bem, obrigado, e é muito mais do que a gente foi educado a acreditar.
5) Fora da Cafua, Gabriel Sanpêra
No finalzinho do ano eu tive o privilégio de ler essa preciosidade chamada Fora da Cafua, livro de poemas do Gabriel Sanpêra. Belíssima, sua poesia transborda negritude, sensibilidade e ancestralidade. Dá para sentir o cheiro de terra molhada, a brisa das tardes frescas e a vontade de um café quentinho. Mas também dá para sentir aquele frio subindo pela espinha e a alma se contorcendo. Maravilhoso!
Menções honrosas:
Uma escuridão bonita, Ondjaki
O Ondjaki foi outra grata surpresa de dois mil e dezoito. Já o conhecia, claro, mas nunca tinha lido nada seu. Uma escuridão bonita é basicamente um conto simples e muito bonito sobre a escuridão e a história de um beijo. O livro ainda conta com ilustrações belíssimas de Antônio Jorge Gonçalves, o que dá uma vida única ao livro.
Pílulas azuis, Frederik Peeters
Ganhei essa graphic novel de uma amiga e foi um presentão. Autobiográfica, conta a história do relacionamento de Frederik, o autor, com a Cati, uma mulher soropositivo. Com uma narrativa sensível e muito bonita, o livro desmistifica muita coisa relacionada ao HIV, ajudando a quebrar tabus e a desconstruir preconceitos.
Uma resposta
Hola! me encanta la variedad de lecturas, en algunas coincidimos, otras están apuntadísimas para este 2019.
Abrazo y feliz año nuevo