Um dos momentos mais aguardados do ano é este em que podemos elencar as nossas melhores leituras. Seguindo a tradição das listas dos anos anteriores, abaixo você poderá conferir os 5 melhores livros que cada membro da equipe do blog leu durante o ano de 2020, mais duas menções honrosas, totalizando 28 livros!
Confira abaixo uma lista cheia de diversidade e também boas indicações de livros para colocar na lista do que ler em 2021 e iniciar o Ano Novo já com uma lista robusta.
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Maria Ferreira
Marrom e amarelo, Paulo Scott
Este livro aborda discussões muito importantes e atuais sobre colorismo e racismo estrutural. Gostei de como a narrativa é organizada de modo que o trânsito entre tempo e espaço não é tão linear. O personagem principal é um negro de pele clara que vem de uma família de pele escura, então tem que lidar com questionamentos sobre sua identidade. O livro também aborda questões políticas muito importantes para o cenário brasileiro, suscitando reflexões importantes.
Por que não converso mais com pessoas brancas sobre raça, Reni Eddo-Lodge
Primeiro fui atraída pelo título, depois fiquei completamente presa nas palavras e depoimentos da autora, que relata com didatismo o que é ser uma pessoa negra em Londres. Assim como ela, também estou cansada de conversar com pessoas brancas sobre raça e achei que neste livro encontraria argumentos para justificar este meu cansaço, e de fato encontrei. Além de que nesta leitura também foi possível aprender sobre a realidade das questões raciais de um país que não aparece muito quando falamos deste assunto.
O avesso da pele, Jeferson Tenório
O que gostei neste livro foi que ele me permitiu ter noção do quanto no sul do país, mais especificamente em Porto Alegre, funciona o racismo contra pessoas negras. Além disso, gostei de como a narrativa é construída de uma forma muito sensível e poética e de como o autor criou personagens que são completos e complexos, que fogem aos estereótipos e possuem individualidade, mesmo fazendo parte de um povo enquanto coletivo.
Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem, Maryse Condé
Conhecer a história de Tituba me permitiu ter contato com história dos povos negros escravizados na América Central e também entender o quanto a opressão das mulheres está presente no mundo desde sempre. Vemos mulheres sendo julgadas por bruxaria, mas seu único crime é não corresponder às expectativas da Igreja e do Estado. É uma história triste, mas muito poderosa e real.
Lélia Gonzalez: Primavera para as rosas negras
Fiz um projeto de leitura para este livro com o objetivo de conhecer mais sobre quem foi Lélia Gonzalez e suas contribuições para a construção do feminismo negro brasileiro. Finalizei essa leitura com a certeza de que quanto mais pessoas conhecerem Lélia, mais o Brasil poderá caminhar para entender as estruturas que o sustenta para poder mudá-las. Ler Lélia é essencial e este livro reúne sua produção teórica quase integral, assim como entrevistas.
Menções honrosas
Nada digo de ti, que em ti não veja, Eliana Alves Cruz
Ler Eliana Alves Cruz é sempre um prazer. Neste romance histórico ela dá vida a uma personagem negra trans, vivendo em um Brasil colonial em 1732. Podemos ver como naquela época já existia delação premiada, ruas sujas, forte influência da igreja e o quanto a união da pessoas negras foi uma estratégia importante para sua sobrevivência.
Você por aqui?, Ana Rosa e Wlange Keindé
O que achei interessante neste livro é que ele foi escrito por duas autoras e a dinâmica da escrita e amarração dos capítulos funcionou muito bem. A história flui muito naturalmente e podemos conhecer duas protagonistas com suas questões pessoais: uma que vive um relacionamento inter-racial com um rapaz branco e não é aceita pela família dele e outra que entre as preocupações com os estudos, se vê com seus sentimentos balançados por outra garota.
Mayra Guanaes
Enterre seus mortos, Ana Paula Maia
Narrativa indigesta, mas muito bem construída sobre Edgar Wilson, um homem que trabalha retirando animais mortos da estrada e um dia encontra dois cadáveres humanos e faz de tudo para poder enterrar estes dois corpos. Este romance me fez pensar muitas coisas, sobretudo, a estrutura social do nosso país.
Pré-história, Paloma Vidal
Narrativa em primeira pessoa que explora o campo entre realidade e ficção. A narradora se comunica com um interlocutor, tentando compreender como a relação do casal mudou, para isso, reconstrói sensivelmente a pré-história dos dois. Muito bonito, eu li em uma única tarde.
Luciana e as mulheres, Sabina Anzuategui
Nesta narrativa em primeira pessoa, Luciana, uma mulher de 37 anos, está saindo de um casamento que durou alguns anos e resolve mudar de vida. Neste processo se envolve com outras mulheres, reflete sobre as diferenças sociais e o que busca no amor. Um exemplo muito bom de literatura que aborda o amor entre as mulheres.
Ao pó, Morgana Kretzmann
Nesta narrativa em primeira pessoa, conhecemos Sofia e as consequências psicológicas dos abusos que esta personagem sofreu. Traz uma reflexão sobre a cultura do estupro e o lugar em que as mulheres muitas vezes são colocadas na sociedade. Este livro tornou meu início de quarentena menos dolorido.
Passagem Estreita, Divanize Carbonieri
Livro de contos, indicado ao prêmio Jabuti. São vários contos de temáticas diferentes, que mostra como a autora Divanize Carbonieri explora brilhantemente a linguagem e elementos narrativos. Ler este livro é um aprendizado de como desenvolver um bom conto.
Menções honrosas
Aldeia dos mortos, Adriana Vieira Lomar
Este romance explora o ponto de vista narrativo de um modo muito interessante: quem começa narrando o livro é um feto que está dentro do útero se preparando para nascer. Muito poético, apresenta a história de uma família durante o período da Ditadura Militar no Brasil.
À deriva, Fernando Ferrone
Nesta narrativa em 3ª pessoa, acompanhamos Isabela, uma jovem paulistana que termina um relacionamento e viaja sozinha para Trindade, lugar onde tem contato com várias pessoas e histórias diferentes. Me identifiquei muito com a protagonista e senti que estava viajando junto com ela.
Arman Neto
Água funda, Ruth Guimarães
Ruth Guimarães é um tesouro de nossa literatura e que deveria ser muito mais celebrada. Eu já tinha Água funda na minha estante há tempos, mas só fui lê-lo agora em 2020, por ocasião de seu centenário. A minha tristeza: por que eu não o fiz antes, muito antes?
Água funda é o único romance desta gigante. Uma obra linda, que volta seus olhos para o povo comum e caipira de nossa terra, por meio de uma prosa maravilhosa e tratada com muito esmero.
Água funda conta histórias que acontecem em torno da comunidade rural na Serra da Mantiqueira. Em especial, as histórias da Sinhá Carolina, dona da Fazenda Nossa Senhora dos Olhos d’Água, e do casal Joca e Curiango, trabalhadores locais, num arco temporal que vai da época da escravidão até os anos 1930. Tudo isso com muita brasilidade, um toque de realismo fantástico e um trabalho de linguagem excepcional.
E para os desavisados, Dona Ruth foi a primeira escritora negra a ter projeção nacional, sendo admirada por nomes como Antonio Candido (nosso maior crítico literário), João Guimarães Rosa e sendo orientada/apadrinhada por Mário de Andrade. Entretanto, sua obra e sua história foram invisibilizadas e se não fosse pelo esforço de sua família e de gente como a pesquisadora Fernanda R. Miranda, teria sido esquecida.
Corram atrás do trabalho maravilhoso de Dona Ruth Guimarães. Ela precisa ser lida e sua palavra, espalhada.
Amada, Toni Morrison
Toni Morrison dispensa apresentações. Afinal, foi a primeira mulher negra a ser laureada com o Prêmio Nobel de Literatura e uma das maiores escritoras de todos os tempos, sendo mais conhecida por sua ficção, mas também tendo excelente obra ensaística.
Amada é seu romance mais conhecido. Nele acompanhamos a história de Sethe, uma mãe desesperada que, para fugir da escravidão, toma uma decisão radical e precisa conviver o resto de sua vida com a escolha que fez. Sobretudo, porque o passado, implacável como é, volta para assombrá-la.
Morra, amor, Ariana Harwicz
A maior surpresa do ano, sem dúvidas. Achei a capa de Morra, amor, romance da argentina Ariana Harwicz, intrigante e bonita e resolvi lê-lo. A prova de que às vezes comprar um livro pela capa pode dar muito certo.
Violento, visceral e sem medo de tocar em temas difíceis, Morra, amor é um romance sobre uma mulher argentina morando numa pequena cidade francesa e que se sente cada vez mais sufocada pela maternidade e o matrimônio. É o primeiro livro de uma “trilogia involuntária”, que já conta com o segundo livro – A débil mental – traduzido.
O jogo da amarelinha, Julio Cortázar
O jogo da amarelinha é daqueles livros que não entram para a história à toa. É um livro que nos desafia.
Como escrevi aqui no Impressões de Maria, “O jogo da amarelinha é uma história sobre amor, mas também é uma história sobre sanidade. Cortázar, com sua prosa fragmentada, nos mostra que a vida pode ser essa eterna procura pelos dois. Em analogia ao seu título, um constante tentar sair do inferno em busca de um céu”.
Você pode ler minha resenha completa aqui.
Os vagantes, Olga Tokarczuk
Outro livro que me desafiou, Os vagantes, da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2018, Olga Tokarczuk, é um livro construído majoritariamente em fragmentos, com pouca coisa ligando esses trechos a não ser a constante ideia de movimento e a voz narrativa. Em diversos momentos, nada parecia fazer sentido. Até que tudo fez sentido.
Há uma nota de tradução da minha edição (da editora Tinta Negra) sobre o título original, Bieguni, que eu acho maravilhosa e dá mais força à obra: “título do livro no original, em polonês, é a denominação da facção de uma antiga seita russa convicta de que o mundo está encharcado de maldade, a qual teria mais acesso ao ser humano caso este estivesse parado num mesmo lugar. Assim, para não sucumbir à maldade, os humanos deveriam ser vagantes, mudando constantemente de local”.
Menções honrosas
O avesso da pele, Jeferson Tenório
O avesso da pele é um dos grandes romances brasileiros dos últimos tempos. Para ser lido e relido. Nele, além da sua história forte, temos a escrita cuidadosa e habilidosa de Jeferson Tenório, que nos conta (por meio da narração de seu filho) a história de um homem que viveu uma vida sempre com confronto contra o racismo.
O amor dos homens avulsos, Victor Heringer
Victor Heringer se foi em 2018. Tínhamos praticamente a mesma idade. Apesar de não nos conhecermos, senti muito a sua partida. Talvez pela idade, talvez pelo ofício, ou até mesmo porque tínhamos a Universidade Federal do Rio de Janeiro como um grande conjunto de elos em comum. Talvez os três. Além disso, Heringer era um escritor incrível. Dos melhores que já li. O amor dos homens avulsos, por exemplo, é um romance de uma sensibilidade sem igual, na qual nos narra uma história sobre o que é envelhecer tendo a vida extremamente marcada por algo que ficou no passado e não tem mesmo jeito de voltar a ser como era. Lindo e muito, mas muito bem escrito. O que só me faz lamentar a partida precoce de um dos maiores escritores que o Brasil poderia ter tido.
William Alves
Dark Days, de James Baldwin
Em Dark Days, escrito na década de oitenta, e ainda sem tradução para o português, James Baldwin, já com uma carreira consagrada aos sessenta anos, reflete sobre sua vida escolar, seus professores, suas influências, um quase amor com um amigo quando ambos estavam na faixa dos vinte anos, e mais profundamente, no último ensaio, a dificuldade do branco em se reconhecer como o responsável pela escravidão e pelo racismo.
O livro é composto por três ensaios, e em cada um deles, Baldwin direciona sua ira a um ou mais temas citados acima. Dark Days pode ser entendido como uma espécie de pequena biografia, visto que o autor relembra sua vida a partir dos sete anos de idade, quando, durante a grande depressão americana, percebeu de forma precoce o quão afundado em uma fantasia de superioridade (criada por ele próprio) o homem branco de fato estava. Dark Days é um primoroso exemplo de que não existe nada mais prazeroso, esclarecedor e obrigatório do que um James Baldwin com raiva, com fúria.
Last Words from Montmartre, Qiu Miaojin
Contada de modo epistolar o romance Last Words from Montmartre, ainda sem tradução em português, e escrito por Qiu Miaojin em 1996, é ao mesmo tempo sobre o desabrochar sexual de uma narradora desconhecida, e também um grito de socorro de alguém que está prestes a cometer suicídio. O livro parece mesmo uma longa carta de suicídio, pois os capítulos são escritos em forma de cartas pela narradora, que tem vinte e poucos anos, sofre de depressão e anorexia e vive na França longe da família e dos amigos. As cartas são endereçadas a duas ex-amantes, uma que vive em Taiwan e outra em Tóquio. O romance é cru e corrosivo. Trata sobre a descoberta e a perda do amor, a alienação, e a depressão causada pelo abandono das duas ex-namoradas. A história se torna ainda mais trágica pois Qiu Miaojin cometeu suicídio aos vinte e seis anos, antes do livro ser publicado. Por ser lésbica, sua literatura conversou diretamente com toda uma geração de outsiders asiáticos que estavam se descobrindo sexualmente naquela década.
Ring Shout, P. Djèlí Clark
Ring Shout é um livro de ficção científica escrito por P. Djèlí Clark e publicado em 2020. Se passa na Geórgia em 1920 durante a proibição das bebidas. A protagonista é Maryse Boudreoux, e juntamente com duas amigas veteranas de guerra, trafica bebidas nas horas vagas, mas na verdade são 3 heroínas que, usando espadas mágicas, escopetas e facas, caçam membros da Ku Klux Klan. A fantasia acontece pois logo após serem descobertos, os membros da KKK transformam-se em monstros enormes que andam em 4 patas, escalam prédios com suas garras, e se alimentam de cachorros mortos. Obviamente ainda temos bruxas, mundos alternativos e muita, mas muita ação. Ring Shout está sendo adaptado para a tv, tendo como protagonista Kiki Layne, atriz que interpretou a personagem Tish de Se a rua Beale Falasse.
Candy Darling: Memoirs of an Andy Warhol Superstar, Candy Darling
Candy Darling foi uma modelo e atriz trans, musa de Andy Warhol e dos Velvet Underground. Em sua biografia, que é escrita em forma de um diário, ela nos leva a uma jornada tristíssima que começa em seu nascimento, e termina com sua morte precoce de linfoma em 1974 aos 29 anos de idade. Aqui ficamos sabendo de seus sonhos antes da fama, seus projetos, sua tristeza resultante da solidão por ser uma mulher trans na década de 70, seu sucesso como como modelo e atriz, e sua morte por linfoma causado pela reposição hormonal, o que faz de sua morte ainda mais trágica, visto que Candy, embora fizesse parte daquele ambiente corrosivo de junkies, não se drogava e não bebia, portanto morreu apenas buscando o sonho de tornar-se quem ela realmente era.
The Women of Brewster Place, Gloria Naylor
The Women of Brewster Place é o romance de estreia de Gloria Naylor. Foi publicado em 1982 e conta a história de sete mulheres negras, cada uma tem seu próprio capítulo, mas todas as personagens perambulam como coadjuvantes nas histórias em que não são protagonistas. Possui apenas 192 páginas, mas contém uma infinidade de tragédias que são descritas de forma gráfica pela autora. Brewster Place é o nome do bairro em que as histórias se passam, que é formado 100% por famílias negras. Naylor mergulha em vários temas importantes, como o racismo, a lesbofobia, a consciência de classe e a busca de um contato com as raízes africanas, assim como o abandono paterno e o descaso dos políticos com a população negra.
Menções Honrosas
The Fire Next Time, James Baldwin
The Fire Next Time foi publicado em 1963 e contém dois ensaios extremamente relevantes: “My Dungeon Shook: Letter to my Nephew on the One Hundredth Anniversary of the Emancipation”, que foi escrito em forma de carta por Baldwin para seu sobrinho de quatorze anos. O título refere-se aos cem anos do Ato de Emancipação assinado pelo presidente Abraham Lincoln durante a Guerra civil americana. O segundo ensaio, “Down at the Cross: Letter from a Region in My Mind”, aborda uma crise de religiosidade sofrida pelo autor aos 14 anos, que culminou com a descoberta de sua sexualidade, enquanto ele tentava entender o que era ser negro na América.
The Cancer Journals, Audre Lorde
The Cancer Journals foi publicado em 1980 e Audre Lorde escreve sobre a sua luta diária após a mastectomia feita no seio direito, assim como sua luta contra o câncer e a dificuldade em encontrar outras lésbicas negras feministas que passaram pelo mesmo procedimento que o seu. A autora denuncia o heterossexismo tanto da mídia, que mostra mulheres acima dos quarenta anos como sexualmente indesejáveis, como a indústria (comandada por homens) das próteses de silicone, que reduz o sofrimento de quem passa por um câncer a algo puramente cosmético, reforçando o estereótipo de que as mulheres existem como objetos de prazer para os homens, as chamando de anormais, por não terem um ou ambos os seios; e finalmente, sobre como a indústria da moda precisava urgentemente se reinventar para atender a demanda de novos tipos de roupas.
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