Este livro é diferente de tudo o que já li. É diferente porque todos os personagens são negros, possuem pele melaninada e se passa em um universo afrofuturista com tecnologia avançada em que a religião é fator naturalizado, como a realidade deveria ser se não houvêssemos passado por um processo de escravização, colonização e apropriação do saber africano.
O primeiro capítulo é bastante convidativo porque faz perceber que será um livro com muito mistério, intensificado pelas vozes da cabeça do protagonista, o que prende à leitura desde então.
O protagonista é João Arolê, um homem de pele escura que possui implantes cibernéticos, dreads, tatuagem tribal em seu braço e perna direitos, enquanto o lado esquerdo é um braço cibernético de metal, assim como a metade direita de seu rosto, que no lugar do olho, há um monóculo azul. Ele é um ẹmí ẹjẹ, ou seja, pessoa que nasceu com dons especiais que lhe conferem algum super poder. Trabalha como caçador, protegendo as pessoas de bem e matando ajoguns, que são monstros que aparecem quando absorvem sentimentos ruins.
Mortes inexplicáveis começam a acontecer e nesse momento, para entender o presente é preciso relembrar e enfrentar o passado e seu passado tem a ver com o fato de ser constantemente atormentando com pesadelos e sua consciência que não o deixa esquecer de seus atos. Quando criança sonhava em ser astronauta, mas os acontecimentos da vida foram tornando esse sonho cada vez mais distante.
“Antes de olhar para o céu, salve este mundo inteiro que há dentro de você”.
Toda ação se passa em Ketu Três, a Cidade das Alturas, altamente tecnológica com seus carros voadores, trens fantasmas e telefones psíquicos. Essa cidade tem como líder política a Presidenta Ibualama, a senhora mais velha e por isso também a mais respeitada, como são respeitados todos os mais velhos, por serem os mais sábios.
O que mais me chamou atenção no funcionamento dessa cidade foi o fato dela ser protegida e abastecida pelos Odés, grandes caçadores espirituais, como também a presença constante dos fantasmas e ancestrais familiares que são onipresentes. Aqui, religião e tecnologia são indissociáveis.
É inegável o protagonismo feminino, dado que a maior líder política é uma mulher, assim como outras personagens que têm função importante na vida do protagonista: Nina Oníṣẹ, sua melhor amiga; Jamila Olabamiji, uma menina de apenas 15 anos que está começando a manifestar seus poderes de ẹmí ẹjẹ e que atrai a atenção de muitos setores, tanto públicos quanto privados e João Arolê sabe por experiência própria qual será o destino da garota se ela for capturada pelos policiais da Aláfia Oluṣọ, orgão responsavél por manter a ordem pública, então age como um protetor dela e Maria Àrònì, uma mulher gorda curvilínea, curandeira, especialista em folhas e banhos e companheira de João, que desempenha um papel muito importante na narrativa.
“Vocês são capazes de mudar o mundo, o mundo enorme que existe dentro de cada um de vocês”. (p.65)
A narrativa se dá de forma não linear, predominantemente em terceira pessoa, mas também é composta por muitas vozes dispostas de modo intercalado, cada uma com um recurso gráfico para se diferenciar da outra, como o uso de itálico, negrito ou espaçamento.
É interessante essa construção de muitas histórias concomitantes e intercaladas, acredito que isso faz com que o leitor fique cada vez mais curioso para saber qual a ligação delas.
A leitura é bastante rápida e fluída graças as frases breves e objetivas. Outro elemento que dá fluidez à narrativa é que algumas ações são insinuadas, não são descritas de maneira pormenorizada, então fica á cargo da imaginação do leitor.
As ilustrações de Rodrigo Cândido presentes ao longo do livro ajudam a formar imagens do quão diversa é a população de Ketu Três e também de como é a presença dos elementos espirituais nessa sociedade. O desenho da capa também é de sua autoria e representa uma imagem bem fiel da aparência física do protagonista.
O Caçador Cibernético da Rua 13 é um livro que tem continuação, mas pode ser lido de forma independente. Sua premissa se encerra nesse volume, mas dá a entender que em um próximo será melhor explicada e desenvolvida a existência de uma personagem em especial, Jamila Olabamiji, que dá mostras do seu potencial desde já.
Ler esse livro foi o primeiro passo que dei em direção ao entendimento do que é o afrofuturismo e pretendo seguir nesse mesmo caminho, então as próximas publicações do autor já têm uma leitora garantida. Também é uma boa leitura para quem quer entender um pouco melhor a respeito dos elementos da cultura iorubá, que são os que permeiam toda narrativa.
As ilustrações de Rodrigo Cândido presentes ao longo do livro ajudam a formar imagens do quão diversa é a população de Ketu Três e também de como é a presença dos elementos espirituais nessa sociedade. O desenho da capa também é de sua autoria e representa uma imagem bem fiel da aparência física do protagonista.
O Caçador Cibernético da Rua 13 é um livro que tem continuação, mas pode ser lido de forma independente. Sua premissa se encerra nesse volume, mas dá a entender que em um próximo será melhor explicada e desenvolvida a existência de uma personagem em especial, Jamila Olabamiji, que dá mostras do seu potencial desde já.
Ler esse livro foi o primeiro passo que dei em direção ao entendimento do que é o afrofuturismo e pretendo seguir nesse mesmo caminho, então as próximas publicações do autor já têm uma leitora garantida. Também é uma boa leitura para quem quer entender um pouco melhor a respeito dos elementos da cultura iorubá, que são os que permeiam toda narrativa.
Autor e obra/Foto de Berbe Tahys/ Fonte: Facebook |
Adquira seu exemplar no site da editora Malê: http://bit.ly/2IO7aTM
Conheça outras publicações do autor no Medium: https://medium.com/@ka_bral
4 respostas
Melhor resenha de todas até o presente momento, uma compreensão sobre o livro que nem eu tenho. Obrigado.
Hola María! Qué interesante, no sabía nada sobre "afrofuturismo" estaré atenta.
Besos
Ótimo texto sobre um ótimo livro! Quanto mais autoras e autores, leitoras e leitores souberem da riqueza dos universos afrofuturistas, mais obras em universos como esse serão criadas e lidas. Agradeço ao Kabral por tê-la escrito e a você por ter impulsionado ainda mais sua difusão. Espero que logo mais, quem sabe, tenhamos esse universo de Kabral em outras mídias (quadrinhos e audiodramas, por exemplo)…
Nossa, enredo interessante! Ando gostando muito dessa pegada futuristica, saber que é autor nacional e que o autor inovou tanto, não dá pra e deixar de ler. Dica mais que anotada.
Raíssa Nantes