Em O segredo do oceano, livro da autora Natasha Bowen que chegou no Brasil pela editora Alt (com tradução da Solaine Chioro, uma tradutora negra), iremos acompanhar a história da Simidele, uma Mami Wata, ou seja, uma sereia criada pela orixá Iemanjá que possui o trabalho de fazer com que as almas de pessoas que são jogadas no mar durante a travessia nos navios negreiros encontrem paz.
A história toda começa quando Simidele está indo fazer o transporte da alma de alguém que foi jogado no oceano, mas ao se aproximar descobre que a pessoa na verdade é um garoto que ainda está vivo. Então ela se vê diante de uma decisão complexa: será que ela deve salvar esse garoto e ir contra o seu propósito, ou ela deve deixar o garoto morrer?
Como era de se esperar, ela acaba optando por salvar o garoto, mas como isso é um fato inédito, a decisão dela acaba trazendo consequências que irão abalar a harmonia de seu povo. Logo, ela tem que chegar a Olodumarê e pedir perdão por ter salvado uma alma viva. Com instruções de Iemanjá ela vai embarcar nessa aventura acompanhada desse garoto chamado Adekola.
Ao longo dessa jornada, obviamente eles começarão a desenvolver sentimentos amorosos um pelo outro, apesar de nenhum dos dois expor isso verbalmente. Mas tem um problema: Simidele é uma sereia e mesmo ela podendo voltar à condição de humana algumas vezes, isso não é indicado porque os humanos não podem saber que ela sua verdadeira forma. Além disso, ela sabe que se apaixonar por algum humano não poderá viver esse amor.
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Uma das coisas que eu gosto muito neste obra é que a autora fez uma pesquisa historiográfica da mitologia africana muito bem feita na questão dos orixás. Conhecemos os orixás de uma forma muito bonita, muito bem descrita, conseguindo imaginar, visualizar e criar uma imagem de como eles são.
Uma característica muito importante e que acho que faz toda a diferença aqui do livro é o quanto os orixás ganham características e personalidades humanas: eles têm sentimentos, sentem raiva, ódio, amor, gratidão, cobiça etc. E um orixá que é muito falado aqui no livro é justamente Exu, esse orixá que é tão estigmatizado na nossa cultura, principalmente por uma questão de religião. Sabemos que a religião evangélica tem uma imagem de Exu muito problemática e por muitos momentos achei que a autora estava reforçando essa imagem de Exu que a gente já tem, mas ao longo da narrativa a gente vai entender Exu como esse orixá das encruzilhadas, esse orixá mensageiro que abre caminhos, que também é trapaceiro e engana as pessoas, mas que tem um papel muito importante e fundamental para o bom funcionamento do mundo, já que é ele quem faz a mediação entre os orixás, os oguns e também entre os humanos.
Por fim, eu gosto também da carga histórica de O segredo do oceano, de como é ao mesmo tempo uma história ficção e fantasia, mas que conecta fatos históricos, já que a história se passa no início de quando os povos africanos começaram a ser sequestrados para serem escravizados, por volta do século XV, então essa questão de salvar as almas daqueles escravizados que foram jogados e se jogaram ao mar tem toda uma conexão com a mitologia africana.