“Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode ser um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à assunção do educando por si mesmo”. (p. 43) –Paulo Freire
De uma estrondosa força, ainda que em pouco mais de 140 páginas, Pedagogia da Autonomia se agiganta de forma sublime diante de nossos olhos a cada página virada. Nele Freire consegue compilar várias de suas ideias e sonhos utópicos de como construir seres humanos pensantes, preocupados com o bem estar das minorias, sejam elas quais forem: negros, gays ou indígenas; sua constante luta em educar de forma instigante e não robótica, quase que baseada na rebeldia, numa anarquia com finalidade de gerar curiosidade nos educandos. Finalmente, mas não menos importante, como os professores precisam dialogar com os alunos, e não portarem-se como ditadores, donos da razão.
É impossível no meu caso, ler Freire sem que uma onda de nostalgia contestadora, de certo modo reflexiva tome conta dos meus pensamentos, me fazendo repensar todos os métodos de ensino dos professores que já tive, me perguntando se seriam considerados “freireanos” em maior ou menor grau, ou se eram apenas reacionários condicionados a formar uma geração de jovens conservadores preocupados em ser a minoria que povoa o topo da pirâmide social de forma ininterrupta. Concluo que a primeira opção sequer chegou a ter chance de ser real. Tentei, sem sucesso, lembrar de algum professor não reacionário, tirano, homofóbico e antagônico em relação aos alunos, chegando à preocupante conclusão de que a única que não fazia parte dessa ideologia reacionária foi uma professora de história do ensino médio.
O livro é dividido em três capítulos em que Freire escreve de modo primoroso sobre a função do educador, e de modo alarmante, sobre a situação da educação na década de noventa. Os capítulos são: “Prática docente: Primeira reflexão”, “Ensinar não é transferir conhecimento”, e “Ensinar é uma especificidade humana”. Dentro de cada capítulo Freire desenvolve nove categorias de uma maneira peculiar e quase profética, como se estivesse prevendo sua partida um ano mais tarde, cria uma seminal bíblia freireana contendo um compilado de suas ideias sobre sobre o ato de ensinar, sobre como “ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (p. 36), como “ensinar exige a consciência do acabamento” (p. 49), como “ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica” etc.
Infelizmente, por tratar-se de uma obra publicada após uma série de livros importantíssimos, e quase que todos eles exclusivamente voltados ao estudo da profissão do educador, o livro passa a ser duplamente repetitivo a partir do último capítulo, pois Freire volta não só à vários conceitos familiares a quem já leu outras de suas obras como também a alguns tópicos abordados nos dois capítulos anteriores. Mas o autor é consciente de sua repetição, chegando inclusive a se desculpar pelo ato em várias partes do livro. Se levarmos em consideração a importância do texto de Paulo Freire, sua constante luta na busca de igualdade de classe, gênero e raça; seu otimismo quase inocente acerca do futuro da educação no Brasil, sua contundente denúncia contra qualquer forma de tirania, ou elitismo intelectual, inclusive dentro da própria esquerda progressista; e de modo inesperado, mas completamente pontual, sua relação paradoxal com a tecnologia, onde o autor critica o grupo branco-cis-hetero-homogêneo topo de pirâmide, que possui meios tecnológicos para ajudar milhares de pessoas, mas que evidentemente está preocupado em aumentar seus próprios lucros.