Sueli Carneiro é um dos principais nomes do movimento feminista negro no Brasil. Ela é filosofa, doutora em educação USP, integrante do Conselho Consultivo da Anistia Internacional, além de diretora vice-presidente do Fundo Brasil dos Direitos e fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Em seu livro Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil ela reúne um conjunto de artigos sobre questões diversas que permeiam a existência do corpo negro no Brasil, com uma abordagem interseccional que considera raça, classe e gênero. A obra traz um panorama cronológico em relação a escrita dos artigos com o contexto histórico do Brasil, por meio de dois pontos marcantes principais: a implementação da Lei 10.639, que trata da Educação Básica nas escolas, e a Lei de Cotas Raciais. Organizado em nove partes principais (direitos humanos, indicadores sociais, racismos contemporâneos, cotas, mercado de trabalho, gênero, consciência negra global, igualdade racial e tempo presente), o livro traz detalhes de documentos e dados de órgãos reconhecidos com elaborações de políticas públicas e projetos de leis.
Ao tratar sobre os direitos humanos, a autora contextualiza os produtos históricos da escravidão. Em termos de hierarquização e seccionamento social feito por meio das raças, estabelece os eventos políticos, como por exemplo as movimentações do governo de Fernando Henrique Cardoso e posteriormente as do governo Lula. Nos indicadores sociais, Sueli Carneiro questiona como os impactos das políticas implementadas e seus resultados a partir do evento importante que foi a Conferência de Durban, levantando principalmente questões acerca da educação, como a evasão escolar e os números sobre o desemprego no Brasil.
Ao abordar os racismos contemporâneos, trata da miscigenação e de suas consequências, destacando as dificuldades acerca da autodeclaração racial, e como isso produz uma da identidade fragmentada, que se mostra como um dificultador na soma de forças para pensar e reivindicar projetos políticos raciais no país.
Sobre as cotas, a autora apresenta os grandes estereótipos que as pessoas negras carregam, visto que, segundo a necropolítica e a efetivação das desigualdades planejadas e muito bem articuladas no Brasil, pobreza e raça se correlacionam diretamente. Por meio desse fato, a autora articula a ideia de que pessoas negras “bem-sucedidas” são exceção dentro da norma do racismo institucionalizado e desfaz o mito da meritocracia ao evidenciar a manutenção do sistema colonialista contemporâneo.
Nas últimas duas partes da obra, que são “Mercado de trabalho e gênero” e “Consciência negra global”, Carneiro discorre acerca de assuntos que atravessam o feminismo negro, elabora sobre como mulheres negras estão posicionadas no mercado de trabalho em detrimento de homens e mulheres brancas, debate profundamente a respeito dos sistemas neoescravistas postos em funcionamento no Brasil, sobretudo com recorte de raça, classe e gênero. Por fim, recapitula alguns pontos elencados no primeiro capítulo do livro, como a Conferência de Durban, para propor uma possibilidade de solucionar as questões discutidas por meio de projetos políticos que impulsionam o desenvolvimento das comunidades negras atravessando a diversidade de opressões desde a violência sexual até o racismo ambiental.
A escrita de Sueli Carneiro é desenhada com traçados ágeis e assertivos. A profundidade de sua propriedade sobre os temas elencados na obra refletem na densidade do texto, visto que o mesmo exige atenção e presença para deglutição. Ainda que a obra seja composta por artigos publicados até 2010, me parece absolutamente pertinente aos dias de hoje, com toda tecnologia desenvolvida e com os debates que têm sido colocados em jogo, existem opressões se tornando mais sutis e outras formas de violência sendo criadas.
Carneiro discute seriamente projetos políticos que visem a elevação e avanço de toda uma comunidade e isso é urgente. Além de todo conhecimento impresso em sua escrita, sempre fico encantada com mulheres que vêm de gerações anteriores e discutem com afinco o que atravessa o feminismo negro, pois até os dias atuais há uma negação em reconhecer a dimensão racial do feminismo, e em geral, debates fundamentais para o avanço das mulheres negras no Brasil são superficializados pela branquitude que são resistentes a outras perspectivas de mundo.