Resenha “Na Escuridão, amanhã”- Rogério Pereira

Por Arsenio Meira

“Eu fugi, pai. Não aguentei até o fim. Teria fim?” 


Rogério Pereira ficou conhecido no meio literário contemporâneo como o idealizador do prestigiado jornal literário Rascunho. Em seu primeiro romance ele honrou a tradição legada por LÚCIO CARDOSO. Uma família decide deixar o campo em busca de alguma esperança na cidade grande. E neste processo (também interiorizado) de imigração, um pai diabólico, com indícios de DNA nazista, uma mãe alheia, e dois jovens personagens – irmãos – submetem-se à perpétua brutalidade do pai, um psicopata, um ser doentio; sofrem os percalços de uma puberdade represada.

Como senão bastasse a perseverança das ruínas, irmanam-se ainda mais em meio a uma tragédia que cava mais fundo o abismo, que por seu turno, torna-se o ponto nuclear do romance. A partir de tal fato, a cidade grande deixar de ser uma esperança para transformar-se no exílio de cada um dos integrantes da família sem nome.Num primeiro instante, percebe-se na mudança do campo para a cidade, denominada apenas como “C”, uma resistência, um traçado (breve) de luta contra a pobreza e o vazio da vida de outrora. Imigram. Todavia no comboio da imigração cada um carrega suas dores, seus suores e temores, como um membro do corpo .

O escapismo da mãe – que se entrega fanaticamente à religião, renegando os filhos a um estado de abandono – é mais uma nota digna muitíssimo bem pinçada pelo autor, neste romance que, em certo momentos, me fez custar a crer que se tratava da estreia do escritor curitibano. Novato, porta-se como um veterano; como veterano, porta-se afiado, emulando um fluxo amargo de consciência em estilhaços, aqui vivificado por meio das cartas que o filho mais velho escreve para o pai. As cartas são intercaladas com os capítulos, fixando na narrativa as revelações e o estertor que o sofrimento impõe a todos. 

E tudo isso nos dá uma ideia angustiante de que a imigração não vai estancar: nem em pleno sol do Saara ou na “escuridão, a manhã.” O livro é um exemplar raro de intensidade obtida mediante a eliminação de tudo o que não esteja em consonância com o talento literário, arte, canção triste, e drama. Sim, drama. Mas sem folguedos piegas ou fumaças de pretensa poesia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

R$ 5.829/mês 72%

Participe do Clube Impressões

Clube de leitura online que tem como proposta ler e suscitar discussões sobre obras de ficção que abordam assuntos como raça, gênero e classe, promovendo o pensamento crítico sobre a realidade de grupos minorizados.