Um casamento americano – Tayari Jones

Texto por Maria Eduarda Ferreira dos Santos

 

Recém-casados, Celestial e Roy são uma ilustração positiva de dois jovens negros dos EUA.  Ambos com ensino superior, Roy trabalha em uma empresa grande e Celestial é uma artista plástica que faz pouppés (bonecas de pano em francês) de forma única. Eles se conheceram por meio de André, amigo de faculdade de Roy e amigo de Celestial desde a infância. 

 

Roy era um jovem de classe média que morava com os pais em Eloe, sul do EUA, e foi para Atlanta estudar. Já os pais de Celestial haviam ficado ricos quando seu pai descobriu uma fórmula química e a vendeu. Após um ano de casados, no final de semana do Dia do Trabalho, Roy e Celestial vão visitar os pais em Eloe. Após passar o dia com eles, em busca de privacidade, o casal resolve dormir em um hotel da cidade. No entanto, eles não esperavam pelo desfecho daquela noite.

 

Após uma discussão com Celestial, Roy sai do quarto para buscar gelo e acaba esbarrando em uma idosa, que mais tarde o acusa injustamente de estupro. Enquanto dormiam, o casal foi surpreendido pela polícia arrombando a porta e prendendo Roy de forma violenta e sem direito a defesa. É nesse momento que o racismo e a violência policial roubam todos os sonhos que o casal tinha para os próximos anos. Roy é julgado e condenado a 12 anos de prisão. O tio de Celestial atuou como advogado de defesa e lutou por sua liberdade por cinco longos anos. 

 

Durante o tempo que Roy passa na prisão, ele precisa lidar com dias difíceis de adaptação, saudade, solidão e tristeza. Além disso, é surpreendido com uma verdade sobre sua vida que pode levá-lo a reviver seu passado e transformar o resto de seus dias dentro e fora da prisão. Como se não bastasse a perda da sua liberdade, ele também perde pessoas que são importantes em sua vida.

 

Após cinco anos, Roy consegue a liberdade e chega a hora de entender o que estava acontecendo e o que restava para ele do lado de fora. Depois de alguns dias importantes em Eloe, Roy vai até Atlanta para reencontrar Celestial, que por sua vez estava muito diferente fisicamente e com sua boutique Pouppés aberta – boutique que fazia parte dos planos de Roy antes de ser encarcerado injustamente. Ele não tem coragem de falar com Celestial imediatamente ao revê-la e então resolve esperá-la em casa. 

 

Ao retornar para casa, Celestial se assusta com a presença de Roy na sala. Os dois têm uma noite agitada e no dia seguinte Roy resolve organizar suas coisas para ir embora, pois conclui que não havia mais lugar para ele ali. Mas ao ler uma carta de sua mãe fica furioso e essa raiva aumenta quando vê André se aproximando da garagem. Aquela casa continuava sendo sua ou agora seria de André e Celestial? Os dois, ainda que amigos de longa data, que ficaram sem se ver por muito tempo, têm um reencontro desagradável e violento. Logo depois dos estranhamentos, Roy volta para casa com Celestial e André vai embora. Mas isso não marca o final da história e não define com quem cada um ficaria, nem como seriam os próximos passos da vida de cada um deles.

 

Um casamento americano é o primeiro romance negro que leio. Sempre gostei muito de ler, no entanto, cresci lendo romances adolescentes que eu não sabia, mas estavam um pouco distantes da minha realidade. Depois de todo processo de construção de identidade, eu tenho a oportunidade de ler esse escrito de Tayari Jones e desde a primeira página eu me vejo muito emocionada por me sentir tão próxima dos personagens.  

 

A forma como a realidade das pessoas de cor nos EUA é contada no texto, as referências que são dadas pelos personagens, quando, por exemplo, a mãe de Roy diz “se ela não usa o mesmo pente que você, não a traga pra casa”, comunica comigo e com minhas experiências como nunca outro livro fez. 

 

A injustiça praticada contra Roy devido ao racismo acompanhado da violência policial me levou a pensar como o encarceramento em massa está vinculado a solidão do homem e da mulher negra, uma vez que quando um dos dois são privados de liberdade ambos se sentem sozinhos, neste caso, Celestial sem saber o que fazer e Roy sem ter o que fazer. Percebe-se que depois de experienciar a prisão a reincidência à sociedade é cruel e deixa marcas que desumanizam e estereotipam. No caso de Roy, que foi preso acusado de estupro, carrega consigo o estereótipo do homem negro estuprador. 

Portanto, indico a leitura de Um Casamento Americano porque pode ser a forma mais fácil, o que não quer dizer menos dolorosa, de aprender um pouco mais sobre os danos que uma sociedade racista causa às pessoas, famílias e comunidades negras.

 

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Sobre Maria Eduarda Ferreira dos Santos
Tem 18 anos, é formada pelo IFMG e foi aprovada para Letras na UFMG. Ama ler, é o que a acalma e alegra. Ama escrever e está construindo um projeto sobre Mulheridades. Faz parte do grupo de estudos NEAB e está sempre buscando aprender sobre negritude porque por muito tempo não teve acesso a essas informações. Sonha em dar palestras e também tem um brechó.

 

2 respostas

  1. Ainda não tive oportunidade de ler esse livro e confesso que a história me desperta muito interesse. Fico imaginando como esse livro deve causar vários impactos durante a leitura e, infelizmente, coisas que acontecem em nossa sociedade. Sua resenha ficou ótima e me deixou com vontade de conhecer.

    Beijos,
    http://www.psamoleitura.com

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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