Uma dobra no tempo- Madeleine L’Engle

Quando uma pessoa se propõe a ler ficção, principalmente ficção científica, precisa estar consciente de que pode encontrar muitos elementos que não fazem sentido na vida real, porque não existem na vida real, mas na ficção tudo é possível, tudo é permitido, tudo é passível de acontecer. É preciso estar aberto ao inesperado, ao irreal, é preciso fazer um acordo com a fantasia, por mais improvável que seja o que está escrito. É preciso crer para que as coisas façam sentido. Mas quando essas coisas não vêm acompanhadas de uma boa explicação, de algo que faça com que o leitor entenda, não necessariamente aceite, mas entenda, fica difícil se entregar à narrativa. Foi o que aconteceu comigo em relação a este livro, que eu queria de ter gostado.

Neste livro o leitor vai conhecer Meg Murry e sua família. Sua mãe, e irmãos. Os gêmeos Dennys e Sandy e o irmão caçula Charles Wallace. Logo no primeiro capítulo, sabe-se que o Pai está sumido e que isto faz com que as pessoas façam considerações a respeito da família.
Logo se perceberá que Charles Wallace não é um garoto comum. Ele prefere que as pessoas pensem que é um “lerdo”, mas na verdade é muito inteligente e se expressa de modo impressionante. Tem uma sensibilidade que faz com que entenda sua irmã e mãe mais do que o normal e esta é uma das suas características mais marcantes, é como se ele pudesse ler pensamentos, mas é algo que vai além disso.

Através de Charles Wallace o leitor vai conhecer três senhoras: a Sra. Quequeé, a Sra. Quem e a Sra. Qual, cada uma com personalidade própria e idades diferentes. A Sra. Quem sempre fala por meio de citações nos mais diversos idiomas. Também conhecerá Calvin O’Keefe, um garoto alguns anos mais velho que Meg e que se assemelha muito a Charles Wallace devido ao seu modo de entender as pessoas.

Na mesma noite do dia em que se conheceram, as três senhoras, sem prévio aviso, fazem com que as crianças façam uma viagem para o planeta Uriel. É nessa ocasião que surge o termo “tesserar” e sua explicação. De forma simplista, tesserar é um modo de viajar de um espaço a outro por meio da quinta dimensão, de modo que se pega um atalho, um modo muito mais rápido de viajar. É como fazer uma dobra no tempo, daí o título.

“Esse é meu maior problema: eu me apego. Se eu não me apegasse, seria contente o tempo todo” (p.101).

Em Uriel as crianças veem a Coisa Escura que rodeia o planeta terra, o que causa muito medo nas crianças e é uma das coisas que elas têm que resolver.
Depois o destino foi o cinturão de Órion, onde conheceram a Médium Contente, mas o verdadeiro destino das crianças é o planeta de Camazotz, onde terão que lutar contra algo muito maior que elas.
Minha dificuldade com este livro se deu porque os acontecimentos têm muito pouca ou nenhuma explicação.  Acho que pode ser um bom livro para quem tem “propensão a suspender a descrença’’. Eu tenho essa propensão, mas não tanto quanto este livro exige.

Em determinado ponto, Meg Murry fica agindo como se fosse uma garota mimada, que só quer ter o pai de volta e não entende que isso vai além de sua vontade. De certo modo é compreensível, ela está muito tempo sem o pai, mas isso me irritou muito. Levo em conta o gênero do livro, infanto-juvenil e que Meg é uma adolescente, porém não diminue minha antipatia por ela.
Alguns personagens, como os gêmeos, têm pouca atuação no livro, fiquei com a impressão de que se eles não existissem não faria tanta diferença, mas acredito que farão uma participação mais ativa no próximo livro da série, que é composta por cinco livros.
Não entendi muito bem o que eram as senhoras, nem do motivo de uma delas falar as palavras com as letras repetidas, mas gostei das diversas citações que uma delas usa.
Esta edição comemora cinquenta anos da publicação deste livro e no que se refere à parte física, ao objeto livro, está indefectível e só merece elogios. Desde a capa dura, o tipo de papel das páginas, que é um papel grosso, as páginas pretas com bolinhas brancas que separam cada capítulo e promove uma harmonia com a arte da capa. O livro também traz o discurso da autora em ocasião do agradecimento por ter ganhado a Medalha Newbery e um posfácio muito esclarecedor e agregador, escrito pela neta da autora, no qual ela retoma dados biográficos da avó e conta o processo pela qual passou para publicação desta obra e a reação do público. A leitura deste prefácio foi o que me fez sentir menos culpada por não ter adorado o livro como tantas outras pessoas e menos sozinha ao perceber que coisas que me causaram estranheza, também provocaram o mesmo sentimento em pessoas antes de mim.

19 respostas

  1. Minha vontade de ler o livro só cresce. Um livro que causa estranhamento e ainda assim sobrevive ao tempo e não é engolido pelo mercado editorial e completamente varrido da memória merece alguma atenção. E estou me aproximando da Ficção Cientifica já algum tempo, acho que o livro calha bem com essa aproximação.

    Jaci
    Uma Pandora e Sua Caixa

  2. Hola María, solamente he escuchado maravillas de ese libro pero no termina de llamarme la atención.
    Cuando decís al comienzo de la publicación que en literatura "todo puede ocurrir" yo le agregaría "dentro de los límites de la verosimilitud", si aparecen elementos de forma incoherentes o algunos hilos siquiera tienen dónde sostenerse es complicado mantener el pacto lector.
    Besos, nos leemos.

  3. Eu li esse livro e fiquei apaixonada. Terminei a leitura do segundo essa semana e já resenhei.

    Uma enorme aventura cheia de perigos e desafios é o que vocês podem esperar dessa incrível história!

    A história traz situações e narrativa que as vezes confunde nosso raciocínio; porém no decorrer da leitura senti que era apenas falta de "jeito" com a forma como as coisas foram sendo apresentadas. Como as três senhoras, "Quem" e suas amigas, que em outro plano não eram bem senhoras. Como as peculiaridades de todo enredo desde a personalidade dos personagens ao grande "vilão" do enredo. Mas quando entramos no clima as coisas fluem e a leitura encanta e prende.

    Beijos.

    http://www.alempaginas.com

  4. Bacana… Não sabia do livro, mas parece ser uma boa pedida para quem gosta do gênero. Essa senhora que fala por meio de citações deve ser hilária. Meu avô era assim… Para tudo ele tinha uma citação. Comprovação de que existem pessoas assim na vida real!

  5. Logo de cara me chamou a atenção o título, já imaginei algo com muita física, viagens no tempo, etc. Pela sua resenha o livro parece um tanto esquisito, o que me deu vontade de ler (eu gosto de coisas esquisitas kkk), mas ao ver que era leitura infanto juvenil já desanimei um pouco. Acho que vai ser um livro que se eu ver na biblioteca, lembrarei da resenha e o pegarei pra ler, mas não o compraria.

  6. Olá!
    Esse livro tem sido muito bem resenhado e estou com altas expectativas pela leitura. Ainda não tive oportunidade de ler e mesmo fantasia ser um gênero que leio pouco, quero realizar antes do filme sair em cartaz.
    Beijos!

    Camila de Moraes

  7. Olá tudo bem, adorei seu blog, iterativo! Eu queria muito ler o livro do post de hoje, porém fiquei em duvida após ler suas impressões, enfim a capa do livro de qualquer forma é muito bonita!

  8. Oi tudo bem?
    Sinceramente adorei esse livro, fiz resenha dele tbm e tenho que admitir o primeiro fiz um monte de perguntas a mim mesma sobre os personagens citados e não trabalhados, mas o segundo livro deixa algumas coisas mais claras, parabéns pela resenha. Bjs!

  9. Oi, tudo bem?
    Eu tenho esse livro em casa desde o ano passado, mas ainda não consegui ler. Eu comecei, mas não me prendeu e eu passei outros na frente. Uma pena que a leitura tenha te decepcionado e acredito que o fato dos acontecimentos não terem explicação deve incomodar mesmo.
    De qualquer forma, ainda pretendo retomar a leitura, já que tenho o livro aqui mesmo.
    Adorei sua resenha e a sinceridade com que falou sobre a obra.
    Beijos!

  10. Oi, Mari! Tenho uma grande curiosidade a respeito desse livro, mas entendo que sendo uma leitura infanto-juvenil, talvez eu não vá gostar 100%, como aconteceu com você, principalmente em relação às atitudes da protagonista. Ainda estou indecisa quanto à leitura, mas se tiver a oportunidade, não vou deixar de ler.
    Bjos
    Lucy – Por essas páginas

  11. Olá,

    Fantasia são ótimas quando queremos escapar da realidade, estou ultra curiosa em relação a esse livro e não vejo a hora de lê-lo. Li muitos comentários bacanas e acho que irei gostar bastante dos personagens e da história, é claro haha.

    Beijos,
    oculoselivrosblog.blogspot.com.br/

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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