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Educação Filosofia

“Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da Palavra”, de Paulo Freire: Uma reconstrução da alfabetização

“A alfabetização para Freire é, inerentemente, um projeto político no qual homens e mulheres afirmam seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas experiências pessoais, mas também de reconstituir sua relação com a sociedade mais ampla.” – Henry Giroux

Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da Palavra nasceu de modo curioso. Após a publicação de três artigos, entre eles, “A importância do ato de ler”, pela Universidade de Boston em 1984 em forma de livro, Freire recebeu uma proposta de uma editora norte-americana para que uma tradução desse artigo ganhasse vida literária, e a pedido seu, em conjunto com os três artigos já inclusos, se somaria a participação — em forma de riquíssimos diálogos — de Donaldo Macedo, professor de psicolinguística da Universidade de Massachusetts. Então, através de uma nova combinação de conteúdos, nascera nos Estados Unidos em 1987 o livro Literacy: Reading the Word and the World. Três anos mais tarde, felizmente, chegava ao Brasil a edição traduzida e intitulada Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da Palavra, porém sem os três artigos iniciais de A importância do ato de ler. 

Traduzido por Lólio Lourenço de Oliveira, e contendo um preâmbulo e uma carta aos leitores, ambos escritos pelo próprio Freire; um prefácio de Ann E. Berthoff; e uma longuíssima introdução de Henry Giroux — que no decorrer de 46 páginas funciona quase como uma análise da obra de Freire como um todo, e da obra que estamos prestes a ler —, o livro chega ao Brasil em 2021 com nova edição da editora Paz & Terra. Essa introdução de Giroux, aliás, dialoga perfeitamente com a situação atual da (des) política brasileira, uma vez que ele escreve com apreensão que àquela época, a situação da sociedade parecia estar se afundando em um oceano estupidamente anti-educação, anti-ciência e antidemocrático. Entretanto, por tratar-se de um estilo denso de escrita, pelo menos na minha opinião, essa introdução foi, em certos momentos, repetitiva e enfadonha. Ainda sim, no momento em que (ou se) sobrevivermos a essa primeira batalha, somos presenteados com diálogos do mais alto nível entre dois dos pensadores progressistas mais influentes das últimas décadas.

Os diálogos, como não poderiam deixar de ser, fazem parte de uma minuciosa dissecação do método freireano de alfabetização, mas parecem mais com longas entrevistas do que diálogos propriamente ditos, visto que é Macedo quem faz todas as perguntas, e Freire, por sua vez, transforma cada resposta em longas palestras a respeito das várias etapas e formas de educação — e a libertação intrínseca que vem acompanhada da educação. Uma frase dita por Freire, aliás, é particularmente interessante por gerar uma discussão sobre os métodos utilizados pelos educadores de direita em comparação com os de esquerda: “Ninguém chega partindo de lá, mas daqui.” (p. 80). Enfático contra o modo de ensino bancário e autoritário, Freire deixa claro que seu foco, como educador crítico, é desafiar os alunos — sempre ignorando o autoritarismo —, pois só assim eles começam a entender a grandeza de sua liberdade intelectual. Algo que Freire já escreveu várias vezes merece ser destacado nesse texto: o fato de que, segundo ele, nenhum tipo de educação consegue ser neutra, uma vez que o professor sempre irá tentar influenciar seus alunos com sua ideologia política. O educador progressista de esquerda irá, evidentemente, fazer o possível para que seus alunos cresçam com consciência de classe, livres de preconceitos e aptos para usar como ferramenta tudo o que o mundo lhes oferecer, transformando esse mesmo mundo, agora, mundo novo, adequado para todas as minorias e todos os que sofreram e sofrem nas mãos da classe dominante.

Paulo Freire em reunião com sua equipe na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Fonte: Masnat.

“O paradoxo da educação é precisamente este: quando alguém começa a se tornar consciente, começa a examinar a sociedade na qual está sendo educado.” – James Baldwin

Ao falar sobre a situação do analfabetismo nos Estados Unidos, o autor de Pedagogia do Oprimido é direto ao dizer que os alunos americanos não abandonam a escola; eles são, na verdade, abandonados por ela. E dialogando com o que James Baldwin escreveu, principalmente nos livros Dark Days e Notas de um filho nativo, Freire escreve: “É como se o sistema fosse instalado para garantir que eles passem pela escola e a abandonem como analfabetos.” (p. 141).

Alfabetização: Leitura do Mundo, Leitura da Palavra é uma obra indicada aos leitores e às leitoras que já possuem uma certa familiaridade com as ideias de Paulo Freire, porque nos causa uma estranheza devido à sua estrutura peculiar. De todo modo, é um livro que contém passagens imprescindíveis aos leitores e às leitoras apaixonados e apaixonadas pelo aprender e pelo conhecimento. Entre elas, as passagens que narram todo o envolvimento de Freire na alfabetização de adultos em países como Guiné-Bissau e Cabo Verde. Ali, Freire escreve sobre uma variedade de tópicos, incluindo sua luta na reafricanização do povo através da linguagem oficial de cada país no lugar da linguagem forçada por colonizadores portugueses.

Para finalizar, pretendo demonstrar na prática a importância do Método Paulo Freire de alfabetização, logo, escolho terminar esse texto com a frase emblemática de um participante de um dos programas de ação cultural realizado por Freire:

“Antes, não sabíamos que sabíamos. Agora, sabemos que sabíamos e que podemos saber mais.” (p. 254).


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