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Literatura brasileira Literatura negra

O lugar das empregadas domésticas em “Solitária”, de Eliana Alves Cruz

Solitária é o quarto romance da escritora Eliana Alves Cruz, e foi publicado pela editora Companhia das Letras em 2022. Seus romances anteriores são Água de barrela, Nada digo de ti que em ti não veja e O crime do cais do Valongo, obras que retratam principalmente o período escravocrata do Brasil. Aqui a autora abandona os romances de época e escreve sobre a atualidade brasileira, inclusive durante o período da pandemia. Nela a autora aborda principalmente a questão do trabalho doméstico, a herança escravocrata e as questões sociais e raciais que envolvem a elite branca brasileira. 

As protagonistas são duas mulheres negras, mãe e filha, Mabel e Eunice, respectivamente. Eliana divide o livro em três partes, sendo a primeira, narrada por Mabel, a filha. Aqui ela vai relembrar sua vida desde criança, quando foi levada pela mãe para trabalhar na casa dos patrões brancos, sem entender muito bem o que estava acontecendo, e na medida em que vai crescendo, se tornando adolescente, passa a entender melhor a situação. 

A segunda parte é narrada por Eunice, que é uma empregada que precisa dormir no trabalho, uma decisão que foi muito difícil para ela, já que precisou abdicar dos cuidados da mãe, que por sua vez também foi uma empregada doméstica, mas que como não conseguia mais trabalhar, Eunice assumiu o trabalho da mãe. Como é possível perceber, é basicamente um ciclo vicioso de servidão à elite branca.

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Com a necessidade de levar a filha para o trabalho junto com ela, chegam todas as limitações que uma criança enfrenta ao ter que morar em um quartinho de empregada, que era onde ela dormia e passava a maior parte do seu dia, sem liberdade, sem poder exercer a sua infância, já que porque ser uma empregada que dorme no trabalho, Eunice precisa estar à disposição 24 horas por dia dos seus empregadores.

Já a terceira parte é narrada por um por um narrador inanimado, e sem dar spoilers, faz bastante sentido. Algo interessante é a escolha da autora ao escrever capítulos curtos, então a narrativa fica muito fluida, mas a escrita da Eliana como um todo, é muito sutil e nada panfletária, principalmente ao mostrar como a história acontece em um edifício bolsonarista, já que ela simplesmente cita o fato de que muitas janelas possuíam bandeiras nacionais, que infelizmente, hoje em dia está relacionada diretamente ao fascimo e o nazismo. Ou, ao falar sobre o racismo e sobre todas as coisas erradas que envolvem a questão do trabalho doméstico, a falta de direitos das trabalhadoras. Eliana constrói de forma sutil um retrato fiel da elite brasileira, que é ainda possui ligação com a escravidão no Brasil. 

Algo que me chamou a atenção são os títulos dos capítulos, que tem tudo a ver com os espaços que os personagens estão frequentando, com o lugar onde a história se passa, que é em prédio de luxo, o Golden Plate, e a última parte é intitulada de “Solitárias”, escolha que traz muito essa ideia de estar preso em um lugar que você não tem muito contato com o mundo exterior.

A Eliana Alves Cruz tem uma escrita muito potente, que retrata muito bem a história do Brasil e todos os podres que a nossa elite exala, como por exemplo um incidente que envolve uma gravidez na adolescência e a decisão que essa família branca toma, que vai muito mais de encontro com os interesses da família.

Solitária é um livro que aborda uma espécie de adaptação da escravidão nos dias atuais através de uma personagem em situação análoga à escravidão, então é uma narrativa muito triste, mas a autora soube contar essa história com muita sensibilidade e com muita responsabilidade. A Eliana Alves Cruz é uma boa escritora, tanto falando sobre o passado do Brasil, quanto falando sobre o presente.

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