Escola pública e educação sem preconceito
Quando penso em educação, penso na primeira vez em que minha mãe me disse para respeitar o próximo, penso no meu primeiro contato com um professor na pré-escola. Penso, principalmente, na minha professora de história no ensino médio. Uma das mais queridas, ela nos incentivava a participar das sessões da câmara municipal toda segunda-feira, e durante as eleições nos fazia percorrer vários bairros explicando a cada morador a importância de nunca vender o voto, de sempre votar buscando o bem da comunidade, o bem dos que mais precisavam, e de evitar ao máximo pensamentos individualistas e opressores. Ela fazia o que estava ao seu alcance para construir uma sociedade com cidadãos engajados e preocupados com o que estava acontecendo não somente na política nacional, mas com o que acontecia em nosso quintal. Naquela época encarei todas essas questões relacionadas à política como apenas um caminho para alcançar minhas médias, mas anos depois, ao me tornar, infelizmente de forma tardia, politicamente consciente, pude compreender que aquela professora era a única que talvez pudesse se encaixar no método freireano.
Freire exige o fim do encimadomurismo político, e sem surpresas, chega a considerar a escola democrática e menos elitista não apenas um direito de todo cidadão, mas também uma obrigação de luta conjunta, e se caso ela não seja alcançada na paz, nós precisamos brigar para termos direito a um sistema de ensino que não seja reacionário e pragmático, e que não discrimine ninguém. O educador lutava por um futuro em que tivéssemos a liberdade de questionar, de não só pensar, mas de pensar fora da caixa. Como fica evidente na obra Política e Educação, a missão de Paulo Freire era transformar adolescentes despolitizados em adultos conscientes, livres de qualquer preconceito, seja ele de sexo, raça ou religião. Um pensamento que infelizmente, várias décadas após sua morte, ainda é considerado utópico e radical.
Segundo Freire, não existe nada mais desesperador para os autoritários do que ver as classes populares mais fortes, presentes nas escolas, nas ruas, nas praças, na vida política “denunciando a feiura do mundo”, porque quando a classe dominante vence, ela cria o que ele cunhou de “anestesia histórica”. Para os dominadores o amanhã só pode significar um constante presente de dominação; sua criminosa missão é deixar os necessitados tão imersos em diversos tipos de violência e de opressão. Assim eles perdem o conceito do amanhã.
A Liberdade não dialoga com a neutralidade
Em seu livro The Fire Next Time, escrito nos anos sessenta, James Baldwin diz a seu sobrinho que ele precisa duvidar de tudo o que lhe fosse ensinado por professores racistas e reacionários. Ecos do ensinamento de Baldwin são encontrados imediatamente no início de Política e Educação, quando Freire diz que a educação é sempre um ato político, portanto, impossível de ser neutra.
Minha educação em escola pública teve seus momentos bizarros, mas nenhum deles supera uma professora de artes que, de forma completamente natural e segura de si, disse que o feminismo era “a versão feminina do machismo”. Me pergunto quantos alunos tomaram essa barbaridade como verdade e seguiram rumo à vida adulta com esse pensamento. A quem estes educadores educam? Ou melhor: deveriam eles ocupar tais cargos?
É sintomático que eu nunca tenha sequer escutado o nome Paulo Freire em todos os meus anos de escola, porque grande parte dos meus professores não dava a menor importância para a classe popular, seu foco foi (e tenho minhas dúvidas se ainda não o é) sempre manter a classe dominante no topo. Eles fingiam que educavam, quando na verdade estavam negando nosso direito de brigar pelos nossos sonhos ao aplicar o método bancário de ensino. Ou seja: eram contra tudo que Paulo Freire ensinava. No livro citado ele clama por uma linguagem mais acessível, popular, que crie ponte entre os alunos e seu educador, pois segundo ele, muitos educadores progressistas caem na armadilha de usar uma linguagem rebuscada, cheia de palavras bonitas, mas que não servem de nada para os alunos.
Freire queria, eu quero, e muitos outros querem uma educação menos elitista e menos discriminatória, contudo ler as notícias relacionadas a educação, verbas destinadas ao ato de educar, e quão pouco foi feito de modo geral para uma melhoria do ensino desde sua morte em 1997, é no mínimo, enfurecedor. Freire cita um exemplo, durante sua época como secretário da educação de São Paulo, em que a verba usada para uma construção de um viaduto em um bairro de luxo era absurdamente maior do que a destinada a educação. Curiosamente, anos atrás, um viaduto foi construído no meio do centro da minha cidade para ligar duas ruas que ficavam somente cerca de 100 metros de distância uma da outra, enquanto a situação da educação e da saúde nas comunidades carentes eram (e ainda são) vergonhosamente precárias.
“Não vale um discurso bem articulado, em que se defendem o direito de ser diferente e uma prática negadora desse direito.” (p. 45)
Eu espero viver a ponto de ver o radicalismo de Freire, sua luta a favor da educação popular, e o seu desejo de ver a ciência levada a sério em nosso país tornando-se realidade, porque somente assim que deixaremos de ver as variações dos mesmos crimes, o descaso com o meio ambiente, e o relativismo em relação à violência contra os povos indígenas. Nós precisamos que as gerações futuras sejam não somente mais respeitosas, mas que celebrem as diferenças. Que elas saibam ser entendedoras de suas próprias nuances perante o que é considerado normal. Porque só então, esperançosamente teremos educadores que pensem no bem coletivo, e não no direito de manter essa democracia mentirosa que ensina a matar os pobres, porque é em nome dessa mesma democracia que eles pretendem continuar tendo o direito de matar. Aqui ele diz inúmeras vezes que sonha com um futuro em que as minorias possam transitar livremente enquanto sujeitos e não objetos e estatísticas. Sigo seu pensamento e espero que as minorias deixem de ser diluídas e passem, finalmente a ser reconhecidas como maioria.
Vejo com otimismo essa a geração atual de adolescentes que já me parece muito mais engajada com temas relacionados ao meio ambiente, a educação, a raça, classe e gênero; e se por sorte, uma parte desses jovens desconstruídos vier a praticar a arte de educar, gosto de pensar que as próximas gerações serão formadas por humanos bem mais preocupados com o sucesso do próximo, com questões sociais, raciais e com o papel da mulher na sociedade, construindo, então, a utopia político-social tão idealizada por Freire desde sua adolescência no Recife na década de vinte.
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