O elitismo de Theodor W. Adorno em “Indústria Cultural e Sociedade”

Contendo três ensaios escritos entre 1947 e 1969 — ano que Adorno viria a falecer —, Indústria Cultural e Sociedade (publicado pela editora Paz & Terra) nos fornece as ideias fundamentais acerca do empobrecimento da experiência e da cultura artística presenciada pelo autor durante sua vida, e através dos meios de experimentações culturais dos séculos XX e XXI — antes da chegada da televisão —, entre eles, cinema, rádio e teatro. Adorno, juntamente com Max Horkheimer, analisa os meios de entretenimento através das lentes do conceito de Indústria Cultural, criado, aliás, por ele mesmo. O conceito desenvolvido por Adorno pode ser resumido — se é que algo assim pode ser descrito de forma sucinta — como uma atualização do termo produção em massa, aquele característico das indústrias, mas que foi de forma não tão gradativa, graças ao capitalismo, utilizado em produções artísticas pasteurizadas.

O primeiro ensaio, intitulado “A indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas”, escrito juntamente com Horkheimer, é, na minha humilde opinião, a única coisa que parcialmente se salva no livro. O pensamento central do ensaio parece ser o fato de que, de acordo com Adorno, rádio e cinema já não poderiam ser entendidos como arte, resumindo-se a apenas vias para que diretores, chefes e figurões pudessem produzir o lixo que eles sabiam que seriam consumidos por uma população devastada pela Segunda Guerra Mundial. Adorno observa que as produções estavam carentes de emoções, de surpresas, e de apelo intelectual. Acho curioso o autor usar como exemplos atrizes e diretores consagrados do cinema norte-americano, que vivia sua chamada Era de Ouro. Duas atrizes que podem ser consideradas como o exemplo primordial do melhor da Era Clássica, Bette Davis e Greta Garbo, juntamente com Ernst Lubitsch como sendo exemplos do que não deveria ser considerado arte na época.

Em vários momentos o autor soa extremamente elitista ao dizer o que deve ser considerado arte e o que deve ser tratado como lixo. De acordo com o seu pensamento, a música como arte intelectual acabou com a morte de Mozart, e não obstante usa o Jazz como exemplo negativo — assim como fez ao criticar o cinema norte-americano. Uma vez que pegamos os comentários do autor, e os transportamos para o presente, ele simplesmente soa como um senhor branco irritado porque o funk não deveria ser considerado cultura. Acho, inclusive, que se Adorno estivesse vivo durante o nascimento do Hip-Hop, ele faria tais comentários.

Esse “olhar de cima” que permeia todo o texto não é algo novo, como todos nós sabemos. Ora, basta lembrar como o cinema era visto como algo inferior pelos intelectuais e atores de teatro do século XIX. Não precisamos voltar tanto assim. Até mesmo Alfred Hitchcock, hoje considerado um dos grandes diretores de cinema de todos os tempos, e mestre supremo do suspense, era considerado um mero diretor de filmes populares, e não um autor. Foi preciso que diretores franceses da French New Wave, na década de 50, o apresentassem para a nova geração como um autor de fato, e não apenas mais um funcionário da máquina de fazer dinheiro — mas não se deixem enganar, seus filmes eram, na maioria das vezes, sucessos de bilheteria.

Não deixa de ser irônico o fato de que existe um meme bastante conhecido na internet, e exaustivamente repetitivo chamado “old man yells at cloud”, que pode ser traduzido como “velho grita com a nuvem” que sintetiza a agressividade adotada pelo autor nos três ensaios. E como um leitor apontou em sua resenha, ler Indústria Cultural e Sociedade é como ter alguém gritando em sua face por duas horas. E de fato, Adorno realmente parece estar gritando que tudo o que se tornou popular durante as décadas de 40, 50, 60 e 70 é ruim, porque ele simplesmente decidiu isso. 


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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