Diário de leitura Um Defeito de Cor (Prólogo e Capítulo 1)

A leitura conjunta do livro Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves teve início no dia 22 de julho e hoje eu trago para cá as impressões suscitadas nestas duas semanas de leitura, de modo que farei alguns apontamentos aqui a respeito do prólogo e do capítulo um. Alerto que talvez essa postagem possa conter spoilers do livro, então estejam avisados.

Como eu já havia postado aqui sobre essas partes na primeira vez que decidi fazer um diário de leitura desse livro, acho que não faria muito sentido repetir tudo que já havia escrito no outro e aqui fui mais no sentido de complementar aqueles apontamentos, de modo que indico muito a leitura do outro post clicando aqui.
No prólogo a autora conta como a ideia de escrever esse livro é fruto de episódios de serendipidade, uma palavra muito bonita que é usada para “descrever aquela situação em que descobrimos ou encontramos alguma coisa enquanto estávamos procurando outra, mas para a qual já tínhamos que estar, digamos, preparados” (p.9).

No capítulo um percebemos que a narrativa é feita em primeira pessoa por Kehinde, a personagem principal. Ela inicia apresentando-se e contando que nasceu em Savalu, no reino de Daomé, na África, em 1810. Ela tem uma irmã gêmea, Taiwo, o que as tornam ibêjis (palavra do iorubá para designar gêmeos). Além dessa irmã ela também tem um irmão mais velho, mãe e avó.
Percebemos que a narrativa ser feita por uma criança, que não entende muito do mundo e o vê com inocência, faz com que as atrocidades praticadas contra ela e sua família sejam ainda mais desumanas.

Neste capítulo tomamos contato com algumas palavras em iorubá e aprendemos alguns de seus significados. Além disso, percebemos que elementos de religiões serão uma frequente, como os nomes de orixás, eguns e voduns e suas respectivas finalidades. O que é bom porque desde já percebemos que este livro nos permitirá ter uma experiência de leitura que foge da perspectiva ocidentalizada de enxergar os africanos.

Kehinde foi capturada na África para ser vendida como escrava no Brasil. O percurso é feito no porão de navio, juntamente com outras pessoas capturadas, mulheres e homens de diferentes povos, sem nenhuma preocupação com a saúde deles, de modo que muitos preferiram tirar a própria vida ou adoeceram no caminho, não resistindo até o final. O destino era a cidade de São Salvador, mas por conta das muitas doenças que surgiram durante o percurso, haja vista as condições nas que se encontravam no navio, precisaram aportar primeiro na Ilha dos Frades para recuperar as forças. Nesse momento, as mulheres deveriam ser batizadas por um padre e receber um novo nome, mas Kehinde foge porque queria manter seu nome original, que remete à sua família e religião, uma forma de reconectar-se com seu passado.
Os dias que passam na Ilha do Frade são tranquilos, dentro das possibilidades, e ali aprendem as primeiras palavras do português.
A leitura desse primeiro capítulo nos permite ter uma visão do quão transformador vai ser ler esse livro. Ele tem uma narrativa que flui bem, muitas vezes beirando o poético, mas o que é narrado nem sempre é agradável de ler. Por esse motivo acredito que é uma leitura importante de ser feita, para sabermos a verdade sobre o período da escravidão e com o diferencial de que dessa vez veremos tudo isso pela perspectiva de uma mulher que foi escravizada, com todas as particularidades que isso implica.

Essa leitura conjunta foi proposta no Instagram da Ale Magalhães (@literaleblog). Em seu perfil ela está postando semanalmente sobre o livro e quem está fazendo a leitura conosco está usando a tag #LendoUmDefeitodeCor para mostrar suas considerações.
O diário de leitura é um projeto meu e da Camila Coelho, do blog Livre Narrativa, que deu a ideia de revezarmos as postagens em nossos blogs, de modo que o próximo diário sairá no blog dela no dia 12/08, conforme cronograma disponível aqui.

5 respostas

  1. Esse projeto de leitura é fundamental porque assim podemos nos ajudar não somente trocando experiências, mas também amenizando o sentimento que provoca. Obrigada pelo diário 😉

  2. Concordo totalmente com os pontos que você levantou, Maria. É meu primeiro contato com esse livro e, apesar disso, já tive por diversas vezes a sensação de que vai ser uma daquelas leituras inesquecíveis por uma série de afetos.

  3. Um livro empolgante que nos leva a uma viagem histórica, reflexões enigmáticas sobre questões raciais impregnadas em nós pela historia e atitudes ainda hoje das pessoas sobre quem somos num país de tantas culturas e raças. Porém somos todos um só. Melhor ainda saber que a autora deste Best Seller é minha conterrânea, pois também nasci em Ibiá Minas Gerais.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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