Os gatilhos em “Cartas para Martin”, de Nic Stone

Tem alguns livros YA’s, que são Young Adults, ou seja, livros para um público jovem adulto, que me fazem pensar que esse gênero talvez não seja para mim, já que passei dessa faixa-etária. Cartas para Martin é um desses livros.

Até onde ir para mostrar a perversidade do racismo? Essa foi uma pergunta que me acompanhou durante a leitura desse livro da escritora norte-americana Nic Stone e publicado no Brasil pela editora Intrínseca com tradução de Thaís Paiva.

O livro é protagonizado por Justyce, um garoto negro de 17 anos, que é bolsista e está no último ano de uma escola preparatória. Depois de ter uma experiência negativa e injusta com um policial branco, ele começa a escrever cartas para Martin Luther King e nas situações em que não sabe como agir, se pergunta o que Martin Luther King faria em seu lugar. A narrativa, então, é feita em terceira pessoa, intercalando com as cartas em primeira pessoa.

A violência policial vivenciada por Justyce é traumática e passa a afetá-lo psicologicamente, ainda mais quando são noticiados casos de outros jovens negros que foram mortos por policiais brancos. É impossível para Martin não se imaginar no lugar desses jovens e quanto mais pensa, mais vai tomando consciência de que sua condição como homem negro sempre vai ser determinante em sua vida, principalmente vivendo em uma sociedade extremamente racista, como é os Estados Unidos.

Comecei essa leitura sabendo que seria um livro bem pesado, considerando que ele mostra como a violência policial nos Estados Unidos segue ceifando vidas de jovens negros e os responsáveis, muitas vezes, saem impunes dos seus crimes. Mas além da temática ser super sensível, principalmente para jovens negros, para quem eu certamente não indicaria esse livro, porque quem vive na pele e cotidianamente a violência racista não precisa de mais gatilhos de uma obra de ficção, outra coisa que me incomodou durante a leitura foram os diálogos que não acrescentam muito na narrativa.

Tenho a impressão de que quem já leu os livros da Angie Thomas, que é uma autora de livros do gênero YA, como O ódio que você semeia e Na hora da virada, vai achar Cartas para Martin uma variação do mesmo tema: o mesmo assunto, o mesmo desenvolvimento, a mesma finalidade.

A primeira parte do livro foi especialmente difícil porque demorei a engatar na leitura, a me conectar com os personagens, com uma narrativa cheia de gatilhos racistas e diálogos dispensáveis, que são didáticos demais. É só a partir da segunda parte que a leitura parece ganhar velocidade porque os acontecimentos fazem com que Justyce precise amadurecer.

No fim, acho que é um livro para leitores não negros, para pessoas que precisam aprender e se conscientizar do racismo cotidiano sofrido pelas pessoas negras.

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Uma resposta

  1. Engraçado, Mazinha, que foi justamente o início do livro que me prendeu na leitura. Eu comecei anotando que achei massa ver que Limão fez a capa e reconhecer nomes de pessoas que admiro na produção da obra… anotei algumas coisas sobre as abordagens de temas, até de Jus começa a escrever umas coisas muito sem noção nas cartas, e eu pensei que seriam revisitadas e perceberíamos que ele mudou de pensamento, mas não. É frustrante sentir o livro indo ladeira abaixo, como rolou com essa leitura. Infelizmente.

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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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