Paulo Freire é contra a educação por adestramento em “Pedagogia da Solidariedade”

Lançado em 2021 no Brasil pela Record — através do selo Paz & Terra —, Pedagogia da Solidariedade, é um livro de Paulo Freire publicado de modo póstumo por Nita Freire, que é uma atualização em forma de texto de algumas palestras feitas por Freire no encontro “Educação e Justiça Social: um diálogo com Paulo Freire”, que aconteceu na universidade de Northern Iowa, nos Estados Unidos, em 1996. Ainda participam da obra Walter Ferreira de Oliveira, então professor da UFSC, que assina a apresentação e a tradução; Henry Giroux, responsável pelo prefácio; Donaldo Macedo, que assina o posfácio; e a própria Nita Freire.

Muito acertada a decisão de manter no livro a estrutura de uma palestra tradicional, de modo que, após a apresentação e o prefácio, seguimos todas as etapas costumeiras de uma palestra: é feita uma apresentação de Paulo Freire, e na sequência, o Patrono da Educação Brasileira brinda o leitor — e as pessoas presentes na palestra — com seus pensamentos, métodos e observações acerca de tudo o que ele considerava errado na abordagem dos professores em salas de aula. Na sequência, como era de se esperar, os participantes traziam suas questões, e a partir daí, Freire tentava ao máximo fazer com que as pessoas presentes ali levassem novos modos de ensino para suas realidades. Essa estrutura se repete mais uma vez, visto que o livro contém duas palestras feitas pelo autor. Como disse no início deste parágrafo, essa decisão de manter a estrutura funciona quase como se nós, os leitores, estivéssemos na plateia escutando as palavras de Freire.

O autor de Pedagogia do Oprimido abre seu livro-palestra abordando o direito de discutir a diferença. Segundo o autor, não podemos exportar a experiência. Ela precisa ser vivida, reinventada através da educação mútua, em solidariedade e em conjunto com as características socioculturais do ambiente em que estão inseridos, bem como dos alunos que estão sendo educados. Em outras palavras, é preciso que o educador/professor se preocupe em aprender sobre a realidade das pessoas que ele pretende educar, e, ao mesmo tempo, absorver esse aprendizado no processo, se transformando também em um ser mais completo porque aprendeu com as diferenças. Literalmente, “respeitar a identidade cultural dos estudantes.” (p. 104)

“A boniteza do processo [educativo], é exatamente esta possibilidade de reaprender, de troca entre estes dois polos” – Paulo Freire

Fonte: www.cpers.com.br

Conhecedores do trabalho de Freire já sabem que ele é totalmente contra o depósito bancário de ensino (aquele em que os professores simplesmente depositam a informação nos alunos, e estes, por sua vez, simplesmente tentam decorar e não aprender de fato), e aqui, ele vai além. Segundo Freire, o educador precisa saber em favor de quê, em favor de quem, e em favor de que sonho ele está educando. Invariavelmente, logo, ele precisa pensar também contra o quê, contra quem e contra qual sonho ele está educando. O educador progressista, aquele que está realmente preocupado em construir seres humanos pensantes, e não máquinas sem almas programadas para serem engrenagens de um sistema capitalista, precisa, independente da sua disciplina — seja ela matemática, educação física, ou química — lutar para que seus ensinamentos sejam usados no futuro como ferramenta na luta contra qualquer tipo de discriminação e não para discriminar.

Paulo Freire na atualidade

Algo que fica evidente ao ler qualquer obra de Freire — ou até mesmo ao ver citações aleatórias do autor — independente do ano, seja a obra escrita durante a ditadura, nos anos 90, ou publicada de modo póstumo, é que se trouxermos seus pensamentos para o cenário político brasileiro pós-golpe, não resta nenhuma dúvida do real motivo pelo qual ele é odiado pela direita reacionária pró-desagregação social. Oras, em primeiro lugar, o governo atual não está em nenhum momento preocupado com as minorias, ou com a educação crítica, ou com a ciência. Portanto, é sintomático que uma mente que lutava a favor dos oprimidos seja odiada por quem se preocupa apenas com o próprio lucro e não com a população que supostamente é responsável. Sobre isso, Walter Ferreira de Oliveira é certeiro ao dizer de forma sucinta que o nome de Freire “é sinônimo de libertação, de liberdade, de luta contra a opressão, de esperança e de pedagogia, em seu significado mais profundo.” (p. 22)

Em última análise, a mensagem derradeira de Pedagogia da Solidariedade não poderia ser mais clara e pode ser resumida nas palavras finais de Nita Freire: “Não permitam que esta nova ideologia do fatalismo mate a sua necessidade de sonhar. Sem sonhos não há vida, sem sonhos não há seres humanos, sem sonhos não há existência humana.”


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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