Paulo Freire e sua esperança na Educação

“[…] a educação nunca pode ser sem objetivo e não pode ocorrer no vácuo.” – James Baldwin

Publicado originalmente em 1997, com nova edição da Paz & Terra lançada em 2020, Pedagogia da Esperança ganha tons de reflexão por parte de Freire, após três décadas da publicação de Pedagogia do Oprimido. Aqui o autor relembra o sucesso daquela obra, bem como as críticas recebidas por ele acerca da linguagem machista do livro. Escrito da forma tradicional já conhecida pelos fãs do autor, Pedagogia da Esperança não contém capítulos, tratando-se de um longo ensaio em que o autor relembra — com uma acertada autocrítica — os acontecimentos ulteriores à publicação Pedagogia do Oprimido, assim como suas viagens e os aprendizados que ele obteve através do contato com os fãs e críticos de suas palestras ao redor do mundo.

Antes de ler Paulo Freire nós precisamos ter consciência de que algumas coisas nunca mudam. A saber: primeiro é que sua escrita soa quase como música, como poesia. Segundo, se você é dos que assim como eu e gosta de sublinhar passagens importantes, prepare seu lápis ou a sua lapiseira, pois Freire tem o dom de escrever ensinamentos emblematicamente pertinentes e atemporais como se fosse o ato mais corriqueiro do mundo. Ao ler qualquer livro do autor, tenha certeza de que seu livro será constantemente riscado. Terceiro, você terá vontade de buscar outras obras do autor assim que terminar o livro atual.

Pedagogia da Esperança começa com as lembranças do autor na década de quarenta, mais precisamente em 1947, no Recife, quando era professor de língua portuguesa e estava prestes a aceitar o convite para fazer parte do então recém criado SESI, e ali ficamos sabendo que sua tese “Educação e atualidade brasileira” foi uma espécie simbiose com Educação como prática de liberdade que por fim anuncia o surgimento, ou a criação, se preferir, de Pedagogia do Oprimido. Nesse início temos exemplos da preocupação do autor, ainda longe de ser o Freire consagrado que conhecemos atualmente, quando preocupado com a relação entre famílias e escolas, elaborou um estudo que analisava os tipos de castigo aplicados pelos pais nos filhos, assim como seus motivos mais frequentes. Para o espanto do autor, a violência dos castigos era assustadoramente maior em áreas urbanas, no agreste e no sertão de Recife, contrastando com o número de quase zero de castigos na região pesqueira. Indicando que a falsa liberdade do oceano — eles aprenderiam de forma natural o que podiam ou não fazer — fazia parte da educação recebida pelos pescadores. Porém interessante mesmo é a leitura perspicaz que Freire faz dessa situação: Os pais davam aos filhos essa liberdade porque era assim que se sentiam: livres em suas jangadas, oceano violento adentro, quando na verdade eram terrivelmente explorados e roubados pelos patrões, nunca se perguntando se eram assim tão livres como imaginavam ser.

O livro não possui uma divisão oficial de temas, mas temos a sensação de que na primeira metade do livro nos é reservado ao período imediato à publicação de Pedagogia do Oprimido, seu exílio em várias partes do mundo devido à Ditadura em 64 — e suas passagens por países africanos, cidades chilenas e argentinas são de longe as mais interessantes em um livro já interessantíssimo e necessário.

Na segunda metade nos é destinado trechos em que Freire se sentia na obrigação de comentar as críticas recebidas, muitas delas pertinentes acerca da sua linguagem. Ele chega a receber um grande número de cartas escritas por mulheres americanas que se sentiram ofendidas pelo padrão masculino da escrita do autor, que esquecia de mencionar as mulheres em partes do livro ao falar coisas como “obrigado todos os professores presentes na palestra de hoje”. Freire diz ter levado em consideração todas as críticas, tendo inclusive escrito uma resposta a cada uma das mulheres, reconhecendo seu erro, e desde então, preferindo escrever “professores e professoras”, “alunos e alunas” etc.

“Sou patologicamente otimista. O otimismo é o axioma de meus protocolos políticos. Vivemos sob retóricas do medo, minha estratégia é a contrária”. – Paul B. Preciado

Em última análise, ler Freire sempre me causa uma estranheza, pois ao ler apenas uma página de qualquer um de seus livros, sinto que é ativada em mim uma alegria contagiante, ao mesmo tempo em que uma tristeza imensa — e isso acontece comigo quando leio Baldwin e Toni Morrison —, faz morada em minha mente. A alegria é resultado da constante luta de sempre pensar no pobre, no necessitado, na ciência e na educação progressiva que tinha como finalidade ajudar disponibilizar as ferramentas necessárias para o oprimido se livrar das correntes do opressor. A tristeza se deve ao fato de que seus livros foram escritos há cerca de trinta ou quarenta anos, ainda assim aqui estamos vivendo em um mundo em que o racismo, a escravidão, a ditadura e a homofobia ainda não acabaram de fato, tendo apenas mudando de nome, e a educação tão sonhada por Freire ainda não virou realidade. 

Não obstante, seguimos.
Talvez não com um otimismo à la Paul Preciado, mas seguimos com força e luta.


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Maria Ferreira

Maria Ferreira é uma mulher negra baiana. É criadora do Clube Impressões, o clube de leitura de livros de ficção do Impressões de Maria, e co-criadora e curadora do Clube Leituras Decoloniais, voltado para a leitura e compartilhamento de reflexões sobre decolonialidade. Também escreve poemas e tem um conto publicado no livro “Vozes Negras” (2019). É formada em Letras-Espanhol pela Universidade Federal de São Paulo. Seus principais interesses estão relacionados com temas que envolvem literatura, feminismo negro e decolonial e discussões sobre raça e gênero. Enxerga a literatura como uma ferramenta essencial para transformar o mundo. 

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