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Não-ficção

O estímulo intelectual em “Bicha velha vira hétero?”, de Paulo Marcos de Assis Barros

Nascido com a proposta de ser um estímulo intelectual baseado na — e para a — área das Ciências Sociais, Bicha velha vira hétero?: etnografia de um clube de sexo para homens, escrito por Paulo Marcos de Assis Barros, foi publicado pela editora Segundo Selo em 2020 e é dividido em três capítulos: “Masculinidade, Homoerotismo e Geração – reflexões sobre interseccionalidades e esquecimentos”, onde o autor apresenta uma discussão teórica sobre masculinidades; “A cidade e o sexo – o mercado de bens eróticos”, onde são abordados os desejos sexuais homoeróticos urbanos; e, finalmente, “O campo ou a experiência etnográfica”, onde o autor direciona sua atenção ao clube para homens citado do subtítulo do livro.

Para os estudiosos das questões de identidade de gênero, sexualidades e sensualidades como combustível político-sexual/social trata-se obviamente de uma leitura fascinante, uma vez que o autor dialoga, usa e ressignifica pensamentos de autores como Judith Butler, Michel Foucault e Gayle Rubin (entre outros) para conhecer, analisar e até mesmo participar de um clube de sexo para homens no centro de Salvador, e como resultado, temos esse livro magnífico, em que uma variedade de temas é estudada de forma minuciosa: o etarismo na comunidade homo-orientada, padrões hegemônicos de masculinidade, aversão a gays afeminados, a hipersexualização do homem negro e a passabilidade hétero.

Funcionando quase como um livro de viés jornalístico, visto que o autor começa a frequentar um certo G0y Club durante vários meses, para assim poder entender e entrevistar todos os homens que religiosamente frequentam o clube semanalmente, a obra é repleta de informações riquíssimas, e um dos detalhes mais importantes, interessantes — e infelizmente — corriqueiros, e que o autor aborda com atenção é o comportamento sexual entre homens velhos e jovens, principalmente do ponto de vista dos mais jovens, que, portando-se sempre como ultra-masculinos, enxergam e tratam os homens mais maduros — acima dos 40, digamos — com total desdém, os considerando afeminados e indignos de sua virilidade jovial. É quase como se quanto mais velhos, mais os homens se aproximassem de serem entendidos como se fossem do sexo oposto. 

No segundo capítulo, a partir de trabalhos antropológicos e sociológicos de outros autores, Paulo Marcos traça o caminho, bem como o local exato onde acontece a intersecção entre “corpo, cidade, erotismo e sexualidade” (p. 41) e como isso afeta os homens negros sexual e socialmente. O ponto alto do capítulo acontece quando, através da tese de doutorado de Ramon Pereira Reis, de 2017, intitulada “Cidades e subjetividades homossexuais: cruzando marcadores da diferença em bares nas periferias de São Paulo e Belém”, o autor aponta algo que nem mesmo chega a ser uma surpresa: a mudança cultural e sexual no Brasil foi construída e protagonizada por mulheres negras lésbicas e homens negros gays já nos anos 80. Em contrapartida, de acordo com Paulo Marcos, pouca atenção era destinada aos estudos da “homossexualidade sertaneja, camponesa/rural, negra e, dentro da cidade, periférica das camadas socialmente desfavorecidas.” (p. 49). Em outras palavras: apesar do caminho ter sido desbravado por minorias, os louros eram sempre recebidos pelo gay branco sudestino, mais precisamente Rio de Janeiro/São Paulo. Esse apagamento de negros e outras minorias é algo costumeiro. Basta lembrar de que embora a Revolta de Stonewall tenha sido liderada por mulheres trans e travestis negras e latinas, quem sempre recebe atenção pela mídia e pelas campanhas publicitárias é o homem gay branco de classe média.

No último capítulo, o autor descreve seus métodos utilizados enquanto fazia pesquisa de campo dentro do clube G0y, bem como o modus operandi dos frequentadores: a linguagem corporal, as regras não ditas, o aspecto sócio-político-econômico-sexual dentro do clube, e a objetificação e exotização do corpo do homem negro — esta, sentida na pele pelo próprio autor durante uma entrevista. Uma curiosidade sobre os membros deste clube: eles não se consideram gays, mas sim homens com desejos homo-orientados que não se identificam com a homossexualidade; repudiam o sexo anal entre homens — seja passivo ou ativo, embora beijos, sexo oral e outras práticas sexuais sejam aceitas —, defendem os padrões hegemônicos de masculinidade, e sem nenhuma surpresa, condenam a homossexualidade além de serem contra gays afeminados.

Bicha velha vira hétero?: etnografia de um clube de sexo para homens é uma obra que apesar de ser particularmente curta (são apenas 90 páginas), é riquíssima, visto que podemos aprender ao mesmo tempo com as palavras de Paulo Marcos como também com os vários autores citados por ele no decorrer das páginas. Minha dica é: de modo algum ignore as referências bibliográficas, ou apenas direcione sua atenção aos autores consagrados e as use com sabedoria para complementar seu aprendizado.


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