Publicado originalmente em 2000, Dialogando com a própria história é mais uma entrada na série de livros-diálogo — que Paulo Freire batizou como livros-falados — que teve início em 1982 com o livro Sobre educação: diálogos. Com nova edição publicada pela Paz & Terra, o leitor pode novamente mergulhar em uma das mentes mais celebradas de todos os tempos através de um formato que remete aos diálogos entre Platão e Sócrates.
O sonho de Freire com o lançamento deste — e de outros livros-falados — era que a sociedade conseguisse se comunicar de forma mais direta e coletiva, sem deixar de olhar para o passado, para a sua história e, consequentemente, para a história do nosso país. Só assim deixaremos os erros no passado.
Através de uma conversa descontraída, mas sem nunca perder o foco, Freire e Sérgio Guimarães relembram suas trajetórias como professores — sempre aprendendo com os alunos —, suas palestras, suas experiências sócio-culturais em países em que as barreiras linguísticas se tornavam pequenas perante à xenofobia enfrentada por eles em alguns países da Europa, mas principalmente nos Estados Unidos. Acerca de sua estadia em alguns dos guetos de Boston, Freire é enfático ao dizer que sim, o dominado tem muito a aprender como seu dominador. Não obstante, ele vai além ao dizer que “… o dominador é o primeiro pedagogo do dominado.” (p. 52)
Dialogando com a sua própria história nos gera um terrível sentimento de tristeza, principalmente se o leitor for alguém que cresceu nos anos 90 durante o governo Collor. É trágica a situação atual em que a bandeira nacional é sinônimo de boçalidade, quando nos anos 90, com o Movimento Caras-Pintadas, milhares de alunos insatisfeitos com o governo foram às ruas vestidos de preto com as cores da bandeira nacional em suas faces, exigindo o impeachment do então presidente Fernando Collor.
“Fala-se muito de quando o negro é violento, de quando o oprimido é violento, mas se esquece de que essa violência é uma resposta histórica à violência anterior […]” – Sérgio Guimarães
No capítulo intitulado “Estados Unidos, passagem permanente”, acontece, a meu ver, uma das melhores partes do livro. Freire relembra sua passagem por estados norte-americanos, sua relação com as ideias de Martin Luther King e Malcolm-X, bem como a sua opinião acerca de manifestações e atos violentos cometidos pela esquerda. Pegando gancho na violência, Freire e Guimarães debatem o efeito do Golpe de Estado, que sempre “tende a piorar a sociedade golpeada” (p. 89).
Se eu precisasse dividir o livro de acordo com o “tempo de página” de cada um dos autores, eu diria que os primeiros 70% do livro são basicamente perguntas respondidas por Freire, já a porcentagem restante, se resume a Magalhães falando de sua história como professor de alunos da 4ª série, bem como sua passagem por universidades francesas. Isto, é claro, não chega a ser um ponto negativo, mas não deixa de causar um estranhamento a estruturação do livro, que termina de forma abrupta, como se a fita cassete em que as conversas estavam sendo gravadas estivessem prestes a terminar, forçando os dois pensadores a terminar a conversa antes do tempo.
Dialogando com a sua própria história benificia dois grupos de pessoas, uma vez que pode funcionar ao mesmo tempo como uma “porta de entrada” ao pensamento de Paulo Freire para o leitor que quer mergulhar na obra do autor, mas não sabe por onde; e como uma espécie de “extra” para quem já é familiarizado com as ideias do Patrono da Educação Brasileira.
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