Este ano a equipe do blog Impressões de Maria cresceu, mas a qualidade das leituras continuou. E isso se reflete na nossa lista de melhores livros lidos no ano. Quase todos os livros listados já tem resenha aqui ou no meu canal do Youtube e estão linkados, então basta clicar no destaque em destaque para acessar.
No mais, nesta lista você encontrará muita literatura diversa de assuntos, autores, gênero e raça, que podem entrar para a sua lista de leitura de 2023 também.
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MARIA
Luxúria – Raven Leilani
Gostei de ter lido esse livro porque a personagem principal não é idealizada, muito pelo contrário, sua representação é muito real e todas as áreas de sua vida estão com problemas: ela não tem muitas perspectivas no trabalho como assistente editorial, mal consegue pagar o aluguel, tem traumas familiares e entra em um relacionamento com um homem mais velho e casado que é o seu total oposto. A narrativa é muito fluída e aborda as vivências de uma mulher negra norte-americana com todas as nuances envolvidas: o racismo, a hiperssexualização, a violência, a desumanização.
O alegre canto da perdiz – Paulina Chiziane
A escrita poética belíssima e cheia de sensibilidade de Paulina Chiziane com certeza foi uma grande presente deste ano. Acompanhar a protagonista Delfina em busca de sua liberdade e dos filhos separados de si, assim como as reflexões suscitadas sobre multiculturalismo e as relações interraciais em Moçambique me deu um breve panorama da cultura e da história do país.
A cor do amanhecer – Yanick Lahens
Este foi um livro que me permitiu conhecer um pouco mais da história do Haiti, da pobreza e das lutas políticas. Aqui temos a história de uma família composta por uma mãe, duas filhas e um filho, quando o filho desaparece e as mulheres entram em desespero com medo do que pode ter acontecido com o rapaz. Gostei que é um livro que não dá falsas esperanças e se mantém fiel à realidade da narrativa, além de ter uma narrativa intercalada entre as vozes das duas irmãs e ter um aprofundamento psicológico delas.
CINTIA
Filhos de sangue e outras histórias – Octavia Butler
Filhos de sangue e osso é um livro de ficção científica em formato de contos. Foi o primeiro livro que li da autora e fazia um tempo que estava curiosa para conhecer suas histórias. Os contos me surpreenderam muito porque apesar de serem rápidos também são extremante interessantes e fortes. Em poucas linhas, a autora consegue fazer com que o leitor sinta apreensão e medo pelos personagens. Cada conto traz uma reflexão diferente e o fim deixa você com aquele gostinho de quero mais. E o mais interessante é que a autora também nos conta, através de notas, como se deu a criação de cada história e em que fase da vida estava quando desenvolveu cada conto.
Os cem mil reinos – N.K. Jemisin
Essa história me mostrou uma faceta diferente de N.K Jemisin. Eu já havia lido a trilogia da Terra Partida, um mundo denso com uma construção de magia incrível, que até então eu nunca tinha lido nada igual. Em Os cem mil reinos a autora nos presenteia com uma construção de mundo única, repleta de deuses, com personagens femininas fortes, cheias de personalidade e principalmente com muita representatividade. É um livro rápido, quando você vê, já foi metade. Me encantei com a mitologia da história e a forma com que a autora escreve prende muito o leitor. Este livro também faz parte de uma trilogia e com certeza quero terminá-la para saber o final desses personagens.
Amari e os irmãos da noite – B.B. Alston
Preciso começar dizendo que adorei esse livro e coloco aqui como meu preferido do top 3. Que fantasia leve e gostosa! Devorei essa história enquanto fazia minhas idas e voltas para o trabalho de trem. Amari é uma menina de 12 anos, seu irmão Quinton está desaparecido e ao longo do livro ela descobre coisas sobre ele e sobre um novo mundo que jamais imaginava existir. Amari é aquela personagem por quem você torce, que te deixa com um sorriso no rosto. Sabe aquele tipo de fantasia que te lembra a infância, quando você lia um livro e ficava desesperada pela continuação que provavelmente demoraria mais uns bons anos pra sair? Foi assim que eu me senti lendo essa história.
JULIA
A trilha percorrida: lições de vida do meu avô – Ndaba Mandela
A escrita de Ndaba faz uma série de questionamentos relacionados com ditos de Nelson Mandela, histórias xhosa contadas por ele e até mesmo diálogos entre o neto e avó. Por esses e outros ensinamentos que conduzem a escrita de Ndaba é possível ser contagiado com o otimismo no futuro e na ocupação de espaços como o veículo mais legítimo para encontrar a liberdade que tanto foi negada às pessoas negras. A sabedoria de Nelson Mandela nos ensina que é possível vislumbrar através dos problemas e encontrar esperança no que chamo de sua força propulsora. Nelson Mandela deixou seu legado ressoando no mundo mesmo após sua partida e isso é inspirador.
E eu não sou uma mulher?: mulheres negras e feminismo – bell hooks
É um livro que mostra que o feminismo negro não é somente para as mulheres negras porque ele liberta as pessoas que estão submersas nos papéis sociais de dominação e opressão sexista. A leitura deixa a esperança em uma realidade ainda distante porque é preciso entender que ainda que a passos de formiga, nós mulheres negras estamos abrindo caminho para que outras possam existir sem serem vitimadas ou amedrontadas. Sem dúvidas é um livro que cumpre seu papel sócio-político de fazer a comunicação chegar, ultrapassando fronteiras de mulher negra para mulher negra.
Corpo desfeito – Jarid Arraes
O livro traz a narrativa de Amanda descrevendo todas as coisas que fazem aos poucos seu corpo se desfazer em uma casa com uma idosa, que carrega em si muita culpa, cria o cenário assustador de um laboratório bizarro que testa as mais diversas formas de tirar a vida de alguém sem a morte propriamente dita. Corpo desfeito é uma obra extremamente necessária para uma sociedade que normaliza diversas formas de violências contra as crianças, pois abre a oportunidade de olhar para nossas crianças internas feridas, que ainda demandam cuidados além de ser uma possibilidade muito potente de criar formas de semear infâncias em solos férteis, que não violem nenhuma fase das pequenas curvas de crescimento do que deve ser o admirável processo de construção de um indivíduo.
MAYRA
Chão batido – Juçara Naccioli
Primeiro livro da escritora Juçara Naccioli, selecionado no Edital da Lei Aldir Blanc do Estado de Mato Grosso e publicado pela Editora Cálida em 2021, Chão batido traz a oralidade da preta velha, por meio do ritmo dos versos, rimas, e léxico que é comum escutarmos quando vamos a um terreiro. Livro que faz mais sentido se lido em voz alta porque a leitura é realmente uma experiência com a linguagem poética que propõe um deslocamento até a ancestralidade daquela que enuncia e que além de receitar banhos de erva e pratos de cura, também conta sobre a época que foi escravizada. Uma imersão poética pelo pretuguês, como Lélia González diria.
Solitária – Eliana Alves Cruz
Publicado pela Companhia das Letras em 2022 a obra conta a relação de Mabel e sua mãe Eunice, empregada doméstica que trabalha em um condomínio de luxo, comum nos bairros ricos de um Brasil que ainda respira as marcas da escravização. Solitária nos mostra a condição das empregadas domésticas do Brasil que passam uma grande parte de suas vidas tendo que trabalhar servindo famílias ricas, sem tempo para dedicar à sua própria família. Para além da preciosidade estética, o livro percorre ainda o debate das cotas raciais nas universidades públicas, e em seu final, se conecta ao contexto da pandemia. Uma obra muito atual e notável da prosa contemporânea.
Angola Janga: uma história de Palmares – Marcelo D’Salete
Narrativa gráfica publicada em 2017. Utilizando a linguagem das histórias em quadrinhos Marcelo D’Salete traz nessa obra a história da resistência negra do período da escravização, envolvendo Palmares, um dos principais conflitos do século XVII do Brasil colonial e provavelmente o maior levante negro na América. Com Angola Janga Marcelo D’Salete ganhou o Prêmio Jabuti na categoria quadrinhos em 2018, o Prêmio Grampo de Ouro em 2018 e o Troféu HQ Mix de 2018. As narrativas sobre Palmares se desenvolvem quadro a quadro, alternando a narração em terceira pessoa e a voz de personagens que se expressam por meio dos balões. Marcelo D’Salete faz uma interpretação sobre Palmares, recuperando traços da história que muitas vezes não é mencionada ou aprofundada nos livros.
ARMAN NETO
Vidas rebeldes, belos experimentos – Saidiya Hartman
Não sei se eu cheguei muito atrasado no fenômeno que é a Saidiya Hartman. Soube dela por meio de uma amiga quando o seu primeiro livro a ser publicado no Brasil, Perder a mãe (Bazar do Tempo) ainda estava para chegar. E foi um encontro! Quando li Vidas rebeldes, belos experimentos (Fósforo), não tive dúvidas: é daquelas autoras que vamos acompanhar pelo resto da vida. Essa mulher é foda!
Alinhavar – Thaís Chagas
Thaís Chagas é maravilhosa. E desde que conheci o seu trabalho – primeiro pelas ótimas traduções que ela faz direto do persa dos poemas de Forough Farrokhzad –, eu sabia que seria arrebatado, pois ela é dessas pessoas obstinadas e que levam seus trabalhos muito a sério, colocando tudo de si neles. Só que Alinhavar (Urutau) não correspondeu às minhas expectativas, ele superou. Só tem uma coisa que me inquieta em torno do trabalho da Thaís: como é que ninguém ainda tá falando dele sem parar por aí?
O corpo utópico, as heterotopias – Michel Foucault
Dois mil e vinte e dois foi o ano em que Michel Foucault chegou na minha vida. E o pouco que li dele até agora bateu forte. O corpo utópico, as heterotopias (N-1 Edições) é um livro curtinho e bilíngue – numa edição bonita à beça – que conta com dois ensaios que, segundo dizem por aí, são os seus textos que mais se aproximam da literatura. Eu só sei que os achei bonitos pra caramba, o que me faz retornar a eles com uma frequência que eu não imaginava que pudesse acontecer.
WILLIAM
A maldição do dinheiro – Chester Himes
A trama de A maldição do dinheiro acontece em 1955, e nela acompanharemos Jackson, um inocente jovem negro retinto e religioso que, trabalhando como funcionário de uma funerária, acaba se envolvendo com crossdressers, traficantes, assassinos e cafetões quando decide entregar todas as suas economias à Imabelle, sua namorada negra de pele clara, que, por sua vez, havia fugido do Mississippi com o ouro de uma gangue que estava sendo procurada por um triplo homicídio. O romance também possui a importância literária de ser a estreia dos detetives negros Jones Coveiro e Ed Caixão, dois dos detetives mais importantes e icônicos da literatura, que viriam a protagonizar outros 8 romances que examinariam a cultura, a criminalidade e a vida noturna do Harlem durante as décadas de 40, 50 e 60.
Agora veja então – Jamaica Kincaid
Agora veja então é escrito em fluxo de consciência e na trama acompanharemos uma família formada pelo casal sr. e sra. Sweet e seus dois filhos adolescentes, Perséfone e Héracles. O sr. Sweet é um compositor de música clássica, branco, frustrado pela vida no interior, e a sra. Sweet é uma escritora negra que buscava o bucolismo e a tranquilidade de uma cidade pequena para criar os filhos. Eles vivem em uma cidadezinha da Nova Inglaterra nos anos 90, mais precisamente na casa onde viveu a escritora de terror Shirley Jackson. Repleto de lirismo, o livro é narrado pelo ponto de vista de cada um dos membros da família quando eles descobrem que o sr. Sweet abandonará a esposa após se apaixonar por uma mulher mais nova
Aqui não é o seu lar – Natasha Brown
Publicado em 2021, Este não é o seu lar é escrito em fluxo de consciência e é narrado pela protagonista, uma mulher negra de classe média/alta não nomeada que ao se preparar para uma luxuosa festa de campo na casa dos sogros ricos e brancos, começa repensar seu lugar enquanto mulher negra na sociedade britânica pós-década de 80. Funcionando quase como uma resposta a Mrs. Dalloway, o romance, que tem apenas 136 páginas, nos faz enfrentar junto com a protagonista uma série de microagressões raciais em seu ambiente de trabalho em meio a uma possibilidade de promoção.